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29-10-2008

A justiça deve ser cega


Editorial - Justiceiros

Li noutro dia num jornal diário uma história que me entristeceu, mas que corrobora a minha ideia da justiça em Portugal.

Resumidamente: uma freira não pagou o bilhete do autocarro e foi apanhada nas malhas da justiça. A senhora fundamentou em tribunal a sua atitude com o desprendimento que tinha dos bens materiais e que a levavam a dar tudo aos mais desfavorecidos, que apoiava diariamente na cidade do Porto. Por isso, e porque tudo tinha dado nesse dia, não pagou o bilhete de autocarro.

Porque não pagou um bilhete de autocarro, a nossa justiça decidiu que, ou pagava 50 euros de multa ou ia ver o sol aos quadradinhos. Como a freira disse não ter dinheiro, preferiu ser presa durante um mês na cadeia de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos. Assim, até praticava o bem e não precisava de ir de autocarro (digo eu).

Aparentemente, tudo isto é verdade e a imprensa até confirma esta história. Segundo relatos apurados, a freira percorre os bairros problemáticos do Porto, tendo até sido agredida por traficantes de droga, que a acusam de ser informadora da polícia.

A justiça deve ser cega, mas não pode ser parva nem pode fazer-se passar por burra.

É o sentimento com que ficamos ao ler estas notícias e ao percebermos que muitos criminosos são soltos basicamente sem ninguém perceber porquê, desautorizando a polícia. Muitos casos arrastam-se penosamente em tribunal sem decisões, provocando a sua caducidade e consequente ineficácia da justiça. Em Portugal, caiu a Ponte de Entre os Rios, há corrupção no futebol, figuras públicas envolvidas na pedofilia, lavagens de dinheiro, e quase nada acontece.

Mas o exemplo é brutal: não pagas a multa, vais dentro. O problema é que a polícia apenas conseguiu prender quem não ofereceu resistência. Se oferecesse, com medo da autoridade ser acusada de agressão, saía no dia seguinte em liberdade.

António Granjeia*
agranjeia@jb.pt


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