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NOTÍCIAS | | | 02-10-2007
| Cinquentenário do I Congresso Republicano
| A liberdade de Aveiro na ditadura de Salazar |
| Aveiro vai assinalar, sob a égide do governo civil, o cinquentenário do I Congresso Republicano, que a 06 de Outubro de 1957 reuniu na cidade a oposição ao regime do Estado Novo.
A realização do evento, em pleno salazarismo, com autorização concedida pelo então governador civil, Vale Guimarães, ainda hoje é vista como acontecimento surpreendente, que alguns dos documentos que vão estar em exposição no Teatro Aveirense, durante as comemorações, poderão ajudar a compreender.
Na evocação daquele que foi o primeiro dos congressos oposicionistas, sobressaem as figuras de Mário Sacramento e Vale Guimarães.
O primeiro, médico com afinidades conhecidas ao PCP, foi reconhecidamente o grande impulsionador da sua realização, ainda que tivesse deixado ao republicano histórico Manuel das Neves a presidência da comissão promotora, provavelmente por entender que essa era a opção mais acertada para tornar o encontro mais abrangente entre a oposição democrática.
O segundo, Vale Guimarães, colega de Liceu e amigo pessoal de Mário Sacramento, o que não deixará de contribuir também para a viabilização do Congresso, teve o mérito de conceder a autorização, que tanto surpreendeu situacionistas e oposicionistas.
Ao empenho pessoal de Mário Sacramento na iniciativa não é alheia a orientação seguida pelo PCP na época pós-estalinista, sob influência de Júlio Fogaça e com Álvaro Cunhal detido na prisão pela polícia política.
O PCP, com a sua máquina clandestina afectada por uma vaga de prisões, isolado da restante oposição pela guerra fria e pela propaganda anti-comunista do regime, define na reunião do comité central de 1955 o retorno à via de uma "ampla unidade anti-salazarista" e a ida às urnas numa "vasta frente eleitoral" com os restantes oposicionistas.
É nesse contexto que surge a participação activa dos comunistas no I Congresso Republicano, em que se preparavam já as listas para as "eleições" parlamentares, representando o regresso do PCP à unidade da oposição.
Mário Sacramento é mesmo o principal impulsionador, fazendo-se rodear de figuras de prestígio do republicanismo e de outros sectores da Oposição.
Ao acolhimento de Vale Guimarães, formalmente concedido pela autorização dada a 11 de Setembro de 1957, não será alheia a sua conotação com a "ala reformista" do regime, a que pertenceria também o ministro que o nomeou, Trigo de Negreiros, e que via em Marcelo Caetano a sua principal promessa.
Nesse sector e por essa altura, chegou a ser admitida a possibilidade de afastar Salazar pela via constitucional, levando Craveiro Lopes a demiti-lo, mas Oliveira Salazar, antecipando-se, escolheu outro "candidato" presidencial, Américo Tomás, e, pouco tempo depois, assistia-se a um novo endurecimento do regime, que levaria ao afastamento de Trigo de Negreiros da pasta do Interior e de Vale Guimarães como representante do governo no distrito.
Já depois de ter abandonado o cargo, Vale Guimarães explica a singularidade da sua postura, que permitiu a realização do congresso.
Numa homenagem que lhe foi feita em Aveiro, esclareceu ter aceite a sua passagem pelo Governo Civil, a convite de Trigo de Negreiros, formulando três propósitos: interessar o governo pela resolução dos problemas locais, "fazer aceitar os ministros o princípio de que tomaria posição sobre todos os assuntos, fosse qual fosse a sua natureza" e "orientar a condução dos negócios políticos tanto quanto possível de acordo com as ideias dominantes na região".
O mesmo discurso foi também esclarecedor quanto ao que entendia ser o ideário de Aveiro a que se sentiu vinculado: o ideal da liberdade.
"Para a maioria dos aveirenses, depois da saúde, que agradecem a Deus, a liberdade é o maior bem de que podem usufruir(?). Assim, segui essa orientação, enfrentando incompreensões, sem dúvida devidas à obliteração que a segurança do dia de hoje faz criar(?)", confessou.
Vale Guimarães, sem aludir directamente à realização do Congresso, dá a entender que a autorização por si concedida teve a cobertura do ministro Trigo de Negreiros e até de Oliveira Salazar.
"Ter podido exercer o cargo sem desrespeitar a grande tradição aveirense representou para mim o maior prémio. É evidente que assim não podia ter acontecido se o então ministro do interior e o chefe indiscutível do regime, que em muitos casos foi previamente consultado, não tivessem dado o seu assentimento", explicou. |
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