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03-04-2007

A ideia está a ser desenvolvida pela d'Orfeu, de Águeda


Aula grátis capta executantes para instrumentos tradicionais em Águeda

Uma aula de música gratuita, em Águeda, está a atrair cada vez mais interessados que ali vão pedir ajuda para dificuldades de execução, afinar um instrumento ou, simplesmente, aprender as primeiras notas.

A ideia está a ser desenvolvida com sucesso pela associação cultural d'Orfeu, de Águeda, que encontra aí um meio simples e eficaz de captação de novos alunos para a sua escola de música tradicional.

A d'Orfeu é uma das poucas instituições no país com percurso pedagógico reconhecido na área das músicas tradicionais e a sua escola de música concede formação específica e qualificada em instrumentos tradicionais, valorizando músicas do cancioneiro português e local.

As aulas grátis são às quartas-feiras, ao final do dia, e já houve semanas em que apareceram 15 alunos de uma vez, segundo disse à Lusa o formador, Vítor Fernandes, mais conhecido pelo "Bitocas".

"Nunca sei quem aparece. Na primeira aula tento dar resposta ao que as pessoas procuram e depois fazemos um improviso com as técnicas de cada um. É como a urgência de um hospital: se a pessoa precisa, segue depois para o internamento, que são as aulas regulares", explica.

Nos tons menores de uma pachorrenta quarta-feira, sussurrados pelos eucaliptos da serra próxima e pelo correr manso do Rio umas oitavas abaixo, Ana Baía, educadora de infância em Mourisca do Vouga, e Paulo Breda, estudante em Águeda, dão o tom maior no entusiasmo com que experimentam instrumentos de cordas e reinventam acordes, na velha casa altaneira que serve de sede à d'Orfeu.

Numa sala ao lado, Zélia Marques pratica gaita-de-foles sob a orientação da formadora Dulce Cruz, ecoando sonoridades celtas pela rua contígua, transformada em passeio e onde o trânsito já não desafina.

Por toda a casa vive-se um ambiente experimental, onde a arte de marcenaria de uma porta interior, ou o friso de azulejo de uma lareira que iluminou outros serões, contrastam com mobiliário sortido, do género recuperado ao sótão de cada um.

Tal como a música que a enche, a sede da d'Orfeu é imprevista e de improvisos: ora ampla nos tectos altos dos salões, ora labiríntica na escadaria que range, a solo na simplicidade dos meios, polifónica em pormenores quase barrocos.

Ana Baía chega ali interessada em aprender viola e músicas de reportório infantil, nervosa por "não saber nada de música", mas empenhada porque "só o simples facto de levar a viola já vai ser um delírio para os meninos".

Bitocas desarma-lhe a timidez inicial: "de tudo se faz música e todos sabemos alguma coisa".

Passa-lhe uma viola para as mãos, para "brincar e explorar o instrumento" e num instante exemplifica com um "baldocelo".

De um modesto balde, uma vassoura e uma corda, faz sair com mestria uma sequência musical perfeita. "Está a ver?" Ana Baía fica mais confiante e ensaia posições na viola, mas doem-lhe os dedos da falta de prática, para o que o formador lhe ensina "um segredo", que consiste em humedecer as mãos.

"Aumenta a sensibilidade e ajuda a controlar melhor os movimentos", explica.

Paulo Breda, um jovem estudante, vem juntar-se a eles a tocar baixo. Veio à procura de um contra-baixo, que a d'Orfeu não tem e esclarecer dúvidas sobre o instrumento que pretende comprar e acaba por ficar.

A diferença de conhecimentos musicais entre o jovem e a educadora de infância é abissal, mas Bitocas consegue que toquem juntos ao fim de minutos, com um curioso jogo "do lencinho" musical, em que também participa.

Um deles dá o mote com um som que os outros tentam acompanhar com sons semelhantes e quando se aproximam outro varia para nova sonoridade, correndo os outros dois a acompanhá-lo.

O formador vai dando umas noções de escalas, das notas "que são como os dias da semana" e de posições da viola, sobretudo para Ana Baía, e fala dos vários instrumentos.

"Tocar concertina é mais fácil?", pergunta-lhe a nova aluna, recebendo como resposta que depende do que quiser tocar e o comentário de que "a concertina sozinha faz um concerto".

Com um novo jogo musical regressam à exploração das cordas, enquanto na sala ao lado a formadora Dulce Cruz marca o ritmo num bombo, para Zélia Marques exercitar na gaita-de-foles.

Dulce está a dar aulas em Águeda pelo segundo ano consecutivo e desdobra-se por Ançã, Cantanhede, onde mantém uma academia que também desenvolve o ensino de música tradicional.

Alguns dos seus alunos já tocam em grupos e Zélia Marques também aspira a formar o seu próprio grupo, mas um grupo especial.

Já dançou num grupo folclórico e veio para a d'Orfeu aprender gaita-de-foles porque sente "empatia" pelo instrumento.

É professora há cinco anos de crianças com necessidades especiais na CERCIAG e tem o objectivo de vir a formar com elas um grupo, para a acompanharem na percussão.

Criada em 1995, em Águeda, com o objectivo de dinamizar actividades culturais através da música, a d'Órfeu tem procurado renovar e inovar a música tradicional e, além da escola de música, tem feito a recolha do cancioneiro local e promovido espectáculos que integram circuitos internacionais, como "Toques do Caramulo", seleccionado para integrar a Rede Galega de Música ao Vivo.


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