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07-07-2006

Gastaram-se na faina do Moby Dick


A Capital dos Portugueses na América

Os portugueses de há uns 80 anos a esta parte, tinham orgulho em dizer que New Bedford, era a capital dos portugueses da América. Pelo menos, havia sido aqui que começou a nossa aventura. Os arpoadores açorianos, do Faial e Pico, recrutados pelos capitães baleeiros americanos, foram-se agarrarando à pedra como lapas das ilhas, e foram ficando. Gastaram-se na faina do “Moby Dick,” e quando as forças para manejar o arpão foram faltando ficaram a plantar batatas e a mugir a vaca.

Mas, entretanto, para à cidade de Fall River, começaram a chegar os micaelenses, e uma nova ilha açoriana nasceu nas costas da Nova Inglaterra. E com ela nasceram as igrejas, as bandas de música, os clubes e organizações desportivas e de socorros mútuos. E quando os lusos de New Bedford, nas suas publicações, vinham com o slogan de ser New Bedford a capital dos portugueses da América, os de Fall River diziam, e talvez com razão, que lá é que era a capital.

Para rebater os vizinhos, os de New Bedford, inventaram o slogan de ser a cidade baleeira a “capital cultural” da gente lusa por estas paragens do novo mundo.

De qualquer modo, estas duas cidades irmãs, têm andado a par e passo, em população, instituições religiosas, culturais e associativas, embora a cidade “micaelense” de Fall River, tenha ultrapassado New Bedford no cultivo das
tradições religiosas e artísticas. Basta contar as igrejas e as bandas de música e, nos últimos anos, essa fenomenal concentração de cunho religioso, cultural e etnográfico, que são as Grandes Festas do Divino Espírito Santo.


Mas, tempos vão e tempos vêm e o mundo muda de figura. E de antiga “capital” dos portugueses da América, New Bedford é hoje taxada em alguns círculos hostis, como a capital da droga. Este é, pelo menos, o título com que os donos das ilhas de Martha’s Vineyard e Nantucket nos têm brindado. E por isso, tudo fazem para evitar o contacto com as gentes deste burgo.


Os das ilhas são gente milionária e entrada em anos, que açambarcou a maior parte do chão ilhéu, e detesta as hordes turísticas que assaltam as ilhas durante o verão. De inverno estão à vontade e ninguém os incomoda. E também não desgostam daqueles que lhes mantêm os jardins e lhes limpam as mansões, mas que não podem lá viver. Um telhado sobre a cabeça é benesse inatingível para os da mó de baixo.


Mas New Bedford não é assim tão má como nos pintam. E embora a maré que nos assaltou do lado das repúblicas das bananas tenha trazido para cá o cheiro da droga que faz sonhar, a cidade baleeira ainda tem as suas virtudes.


Por exemplo, a nossa frota pesqueira, 90 por cento de gente nossa, ainda é considerada a mais produtiva da América, incluindo o Alasca. As restrições têm reduzido a sua actividade, mas é ainda um dos maiores pilares económicos da cidade e da nossa gente. O nosso museu baleeiro é o mais importante dos Estados Unidos.

Ele contém os artefactos e recordações da origem da revolução industrial americana que, sem o óleo dos cetáceos e o suor dos arpoadores açorianos não poderia funcionar..


E depois,temos a “Festa dos Madeiras”, maior no mundo onde se bebe mais cerveja e se come mais carne de espeto, que os nossos compadres madeirense classificam de “espetadas”. E ir à festa e não devorar uma espetada, é o mesmo que ir a Roma e não ver o papa.


Temos aqui também a mais antiga igreja portuguesa da América, a de S. João, o santo das fogueiras e das alegrias populares. Aqui nasceu tambem o primeiro jornal diário português da América e do mundo, o “Diário de Notícias”, que se manteve em actividade por 50 longos anos, e que deu a alma ao criador, no ano em que em Lisboa se fazia a revolução dos cravos.

E essa foi talvez uma das razões porque nasceu o título de capital dos portugueses da America.
E o último ar da nossa graça é o filma “Passionada”, em que o velho burgo baleeiro, onde começou a nossa peregrinação por estas paragens, é apresentado numa história de amor, entre uma fadista e um marinheiro, com as cores de um bilhete postal ilustrado..
E esta não é toda a história de New Bedford, nem dos portugueses que por aqui têm amargado a vida dura dos que trouxeram consigo apenas a força dos braços e a vontade de conquistar um lugar ao sol. Ela tem sido para centenas de milhares de irmãos nossos, uma cidade de luta, de sonho e de capacidade de sobrevivência, entre gentede diferentes línguas, etnias e tradições. E aqui temos conservado o que trouxemos, no saco do queijo e da linguiça, dos costumes, gostos, tradições, cultura e culinária.

E depois, se o consulado de Portugal é a representação do nosso país de origem,então, New Bedford é, realmente, a “capital”. Sem menosprezo, claro, para os irmãos da nossa décima ilha.

Manuel Calado*
*Jornalistas nos EUA


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