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19-01-2006

Coisas boas e más aconteceram nos últimos tempos


Crónica da América - Dias Trágicos

Coisas boas e más aconteceram nos últimos tempos. Que a vida em si é uma dualidade de luz e sombra, quente e frio, de bom e de mau. Vem isto lá detrás, da pré-história deste infeliz bípede humano, a quem o Criador das Coisas deu razão e capacidade de raciciocinar.

E dessa capacidade de pensar e de sentir, vem a ansiedade, o sofrimento e, ao mesmo tempo, o suplício de tântalo em que a precária vida decorre.

E às vezes seria bom não pensar. Não sentir. Não interrogar.

Não agitar as águas das convenções sociais, da política, da fé, essa força que tanto move montanhas como nos leva a cometer os crimes mais bárbaros e anti-humanos.

E é este panorama da fé exaltada, elevada aos paroxismos do fanatismo, que neste momento mais agita o mundo. Na nossa já longa caminhada, temos assistido a várias guerras. À morte e desfiguramento de milhões de criaturas.

A força das armas, o poder económico e político, a divisão racial e religiosa, precipitaram autênticos holocaustos. Fez-se a guerra em nome da paz, quando um doido feroz foi capaz de armar e colocar em pé de guerra uma das nações mais cultas do mundo.

Felizmente, venceu a democracia e o império da lei, o mundo respirou, e a pomba da Paz, teve ocasião de fazer ninho. A "paz americana" havia triunfado. No entanto, o "complexo militar-industrial", de que falou o Presidente Eisenhower no seu último discurso, não parou de continuar a fabricar as armas mais sofisticadas.

Julgávamos nós que a tragédia do Vietname, onde perdemos mais de 50 mil homens, inauguraria uma longa etapa de paz e compreensão internacional. Mas o trerrorismo messiânico e suicida veio alterar o panorama internacional. E alguém, do nosso lado, entendeu que era tempo de derrubar pela força, o nosso antigo "amigo" e ditador do Iraque que, embora violento para os seus concidadãos, não representava uma ameaça directa e imediata ao nosso poder e influência. A nossa aviação e as Nações Unidas estavam alerta.

E assim acabou por ser despoletado o poder fantástico do fanatismo suicida. E agora está provado que as armas mais sofisticadas não podem combater esta força bruta de seres humanos que transformam em dinamite a sua própria carne e sangue. Este é um elemento novo a que as sociedades democráticas terão de fazer face, não com armas, mas com palavras.

A fé ou a democracia impostas pela força não resultam. Veja-se em que resultaram as últimas eleições no Iraque. A violência continua. E só os iraquianos poderão moldar uma sociedade à sua imagem e semelhança, de acordo com os seus interesses, crença, raça e preconceitos. E sem querermos falar hoje nas dores de barriga da Natureza, concretizadas em inundações, fogos, temporais, nevões e outros desastres, não podemos esquecer o desastre na mina de carvão de West Virginia, e de pôr em destaque a fé viva e sincera das pessoas que crêem e invocam o poder de

Deus.

Treze homens estavam soterrados no interior da mina. Equipas de salvamento faziam esforços abnegados para os recuperar com vida. Depois de muitas horas de esforços, veio à superficie a notícia errada de que morrera apenas um homem, e que doze haviam sido salvos. As famílias das pobres toupeiras humanas, que passam a vida nas entranhas escuras da terra, vibraram de alegria, e o seu primeiro pensamento, foi agradecer a Deus. "Milagre!

Milagre!" - gritaram. Acenderam velas, rezaram com fé e devoção sincera aquele gesto de bondade e misericórdia divina. Eis senão quando, duas horas depois de alegria e gratidão para com Deus, veio a notícia trágica, crua, desapiedada, de que Deus não ouvira os seus rogos nem orações.

Deus decerto estava ocupado com coisas mais importantes e decidiu não atender aos rogos daquelas humildes criaturas, esposas, filhos, pais, netos, que haviam posto o melhor do seu coração nas orações e pedidos, para que Ele se condoesse dos pobres mineiros.

Desconfio que se Deus possuísse um coração igual ao coração humano, capaz de amor e compaixão, decerto não deixaria de ouvir os pedidos daquela pobre gente de West Virginia. Deus não matou os donos das minas, os que enriquecem à custa da saúde e da vida dos mineiros. Mas as humildes toupeiras humanas que labutam no interior da terra, extraindo o ouro negro, que aquece, dá luz e faz andar as rodas do mundo...

Manuel Calado*
*Jornalista nos EUA


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