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08-11-2005

Distúrbios franceses


Editorial

Os acontecimentos dos últimos dias em França devem merecer uma reflexão atenta de todos os europeus e não apenas daqueles a quem agora toca o problema. Não estou com isto a dizer que esta raiva hedionda, esta revolta suburbana, ou como alguns já lhe chamaram, a “intifada” de Paris, vá, inevitavelmente, alastrar os outros países europeus. Estou para já convicto que este é ainda e apenas um problema francês, mas a abordagem, que os franceses fizerem a esta dificuldade, será para mim determinante para o espalhar ou não da situação.

Os problemas dos imigrantes magrebinos em França não se resolvem de um dia para o outro, nem estas revoltas de gangs vão certamente ajudar na reconciliação necessária entre comunidades. Esta crise não é recente, nem desconhecida, e tem que ver com uma multiplicidade de disciplinas, pelo que analisá-la apenas pelo lado da segurança, ou somente pelo lado da economia, ou pelo lado da diferença cultural pode revelar-se uma observação amputada e, por isso, geradora de mais e mais tensões.

A gestão centralizada e burocrática da Europa dá por vezes sinais complicados e eles próprios são geradores de alguma angústia e desilusão nas populações nativas. Como li num recente artigo de Pedro Jordão, ao mesmo tempo que estas coisas acontecem em França, o Banco Central Europeu aumenta as taxas de juro na Europa, fazendo por isso aumentar os custos dos empréstimos a todos os europeus. Claro que é a população urbana que mais sofre com estes aumentos, que mais perde poder de compra, que mais amarga com os elevados custos do dinheiro para as empresas para quem trabalham. Toda esta conjuntura para refrear a inflação acaba por gerar mais e mais desemprego e o desemprego sobrecarrega o estado social moribundo. Este é um exemplo de uma abordagem apenas técnica para a retoma, mas que cria desequilíbrios sociais.

Não há análises simples nem soluções fáceis. Olharmos apenas para um dos lados do problema não o resolve e provavelmente trará outras consequências. O cobertor social da Europa não tapa todos e por isso quando, numa crise se puxa dum lado, destapa-se noutro, criando tensões e invariavelmente nos mais desprotegidos.

Por isso, a solução estará em reformular todo o sistema de segurança social e dizendo com verdade aos europeus aquilo que todos sabemos, mas que nos recusamos a acreditar: somos povos que nos acomodámos, que achamos que os Estados tudo tem que resolver, que menosprezamos a iniciativa de cada um para poupar e garantir o nosso próprio futuro, e pior, tornámo-nos egoístas e desprezámos a vontade de integrar aqueles de quem precisamos para trabalhar, passando esse problema par organizações a quem damos dinheiro, mas não afectos. A emergência das potencias americanas e asiáticas vai deteriorar esta análise em menos tempo do que prevemos.

Claro que este problema de integração é muito cultural e assoma mais com aqueles que nem cultural nem religiosamente se identificam com a velha Europa. Muitos aprenderam na escola ou por herança cultural que colonizaram o sul da Velha Europa e, portanto, alguns deles têm uma atitude de sobranceria e de não humildade e gratidão para com quem os recebeu. Por isso, este problema releva-se com os africanos e asiáticos e nunca surgiu com os migrantes do continente, pois a sua proximidade religiosa e de valores básicos era muito mais consistente e integradora.

Mas, no imediato, a solução passa como disse Chirac por estancar a violência e a insegurança. A repressão terá que se fazer sentir pois nada justifica o incêndio de carros e armazéns. A repressão deverá ser dura e sem medos quando se encontram esconderijos de gangs que abrigam mais de 1000 cocktails molotov, quando existe comunicação na Internet entre grupos de desordeiros, quando já mataram uma pessoa, quando se feriram muitos polícias, etc. É um motim e como motim deve ser tratado.

Mas, no fim deste ciclo de violência, é preciso saber abrir pontes de diálogo e estabelecer compromissos credíveis em que todos se revejam.

O pior malefício de todos estes acontecimentos é a deterioração do ambiente entre as comunidades. Daquelas que não tiveram vontade nem quiseram integrar-se e daqueles que vendo os seus valores em causa os querem a todo o custo defender.

António Granjeia*
*Administrador do Jornal da Bairrada

Nota: porque o tema é europeu e o tratamento jornalístico global pode distorcer a realidade local desafio-vos a comentarem e darem os vossos pontos de vista no nosso site. www.jb.pt (editorial)


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