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28-09-2005

Associação matou a fome e a sede aos bombeiros


Anadia

Num gesto de solidariedade sem precedentes, a Associação Cultural e Recreativa Cêrca-S.Pedro foi responsável, no passado domingo, dia 18, pela confecção e distribuição de aproximadamente meio milhar de refeições, sobretudo às várias colunas de bombeiros que, durante longas horas, lutaram contra o fogo, que, não dando tréguas avançou de Linhar da Pala (Mortágua) para o concelho de Anadia, onde deixou um rastro de destruição do qual não há memória.

O fogo, amparado por fortes rajadas de vento (algumas superiores a 100 quilómetros/hora), entrou no concelho de Anadia pelo Corgo de Cima (já desabitado), consumindo, já no pequeno lugar do Corgo de Baixo, casas, animais, viaturas e alfaias agrícolas, onde deixou três famílias sem tecto.

Enquanto várias centenas de bombeiros (mais de 300), muitos populares e meios aéreos lutavam contra as chamas que avançavam, impiedosas, em direcção ao Pardieiro, Boialvo, Candeeira, Figueira de Boialvo, Ferreirinhos e Canelas, devorando tudo o que aparecia pela frente, na Cêrca-S.Pedro, a Associação Cultural e Recreativa do lugar pôs mãos à obra, neste caso, aos tachos e às panelas, tendo conseguido, ao longo do dia e da noite de domingo, matar a fome e a sede aos homens e mulheres que, nas várias frentes de fogo, (com mais de 10 quilómetros) arriscavam a vida contra um inimigo impiedoso.

Sobre este gesto de solidariedade, sem precedentes, JB conversou com Manuel Veiga, presidente da direcção daquela associação que, orgulhosamente, nos contou como tudo começou.

Com o fogo a avançar, povoações dentro, sem dó nem piedade, no lugar da Cêrca-S.Pedro, as primeiras horas de domingo, tal como em tantos outros lugares da freguesia de Avelãs de Cima, foram vividas entre o medo, a angústia e a impotência de nada se poder fazer e a esperança e vontade férrea de poderem marcar a diferença e de, alguma forma, poder ajudar e ser útil.

Pouco a pouco, muitos populares foram-se reunindo à porta da ACRCêrca-S.Pedro: “os homens começaram a espalhar-se, a lutar com os meios que tinham, contra as chamas que não davam tréguas”, mas “enquanto isso, as mulheres decidiram que, de alguma forma, também poderiam ajudar e ser úteis em tão grande momento de aflição”, explicou Manuel Veiga.

Assim, após um contacto com Armando Pereira, presidente da Junta de Freguesia local, sobre a forma como poderíamos ser úteis, o autarca deu-nos luz verde para avançarmos “auxiliando os bombeiros”.

“Panelões nos carros”

A uma semana de distância do trágico incêndio, Manuel Veiga reconhece que “no fundo, acho que por não termos o fogo à porta de nossas casas, tivemos mais discernimento para agir e fazer algo de útil”, acrescentando que “de imediato, de uma forma completamente natural, espontânea, começaram a aparecer na sede da associação muitas dezenas de litros de leite, sumos e águas.”

Numa primeira “operação”, a Associação conseguiu mobilizar algumas viaturas e levar a vários pontos da frente de fogo mais de 20 paletes de leite, várias dezenas de litros de sumos e muita, muita água, que Manuel Veiga diz ser impossível de quantificar.

Entretanto, na sede da Associação, as grelhas industriais e os enormes tachos e panelas eram colocados ao lume. De imediato e como que por magia, a solidária gente do lugar foi chegando com muitos frangos, carnes e enchidos, que serviram para temperar a sopa e fazer muitas e muitas centenas de sandes.

“Mas como o fogo se complicou muito foi-nos sugerido que, em vez dos bombeiros virem aqui almoçar - como estava inicialmente previsto - seria melhor mobilizarmo-nos e coordenarmo-nos de forma a levar a comida até eles”, explicou o nosso interlocutor acrescentando: “Assim fizemos. Metemos os panelões nos carros, pegamos nas sandes, no leite, nas águas e sumos e fomos em direcção ao Posto de Comando, localizado em Canelas, local para onde seriam encaminhados os vários grupos e colunas de bombeiros, para comer qualquer coisa”.

“Às duas da manhã, ainda estávamos a servir as últimas refeições em Fontemanha”

Manuel Veiga não sabe quantas malgas de sopa serviram, mas garante que foram largas centenas, uma vez que o ritual do “lava malga/enche malga” durou até às 2 horas da madrugada de segunda-feira.

“Embora todos tenham ajudado com o que tinham e podiam a Associação teve de se socorrer dos mini-mercados do lugar para arranjar sandes de queijo e fiambre porque chegamos a um momento em que as fêveras se esgotaram e dificilmente dávamos resposta a tantos pedidos, até porque nunca sabíamos quantos bombeiros viriam de cada vez comer. Era sempre uma incógnita”.

Manuel Veiga diz mesmo que “enquanto um carro nosso foi ao campo de futebol, em Fontemanha, levar comida, aqui servimos, às 16.30 horas, cerca de 50 refeições, passado meia hora, mais 30 refeições e, à noite, mais de 140 refeições. Veja que, à meia noite, demos de comer ao comando e, às duas da manhã, ainda estávamos a servir as últimas refeições em Fontemanha, à coluna que veio de Lisboa e que estavam sem comer.

Manuel Veiga reconhece que “se gerou uma onda de solidariedade e generosidade sem igual e da qual todo o concelho se deve orgulhar”.

Catarina Cerca


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