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25-08-2005

U2, coexistir


Univer(sal)idades

Fugindo aos incêndios que nos consomem, em fins de Agosto vamos falar música, do caso U2. Mas não nos cansemos nos maçadores nomes de canções (são muitas), nos camiões para transporte de equipamento (foram 69 camiões e noutras digressões do grupo também um avião jumbo com tecnologia de ponta, de que se destaca o maior ecrã de todos os tempos - 50 metros - da última digressão de 1997), ou dos espectadores que já viram o grupo de Bono ao vivo (já qualquer coisa como três milhões e meio pelo mundo, é muita gente!).

Mas vale a pena sim compreender o que está por trás, o poder imparável da alma, o impulso da criatividade, a redefinição do papel da arte nas causas humanitárias, o sonho de fazer do mundo uma bela sinfonia!

Como qualquer grupo musical os U2 - que deram o concerto do ano no Alvadade XXI após terem recebido a Ordem da Liberdade pelo Presidente da República, como reconhecimento pelo serviço à humanidade prestado através da música -, desde os primeiros tempos assumiram a sua natural irreverência. Como qualquer grupo, os desvios, as indecisões, fizeram parte de um caminho que tem proporcionado aprendizagens. Todavia, já não como qualquer grupo, os U2 são família, grupo, exemplo de unidade desde há 25 anos. Quantos grupos que nascem humildes, crescem cheios de entusiasmo até ao palco da fama e depois, famosos, deixam de se entender pela preferência das vaidades pessoais?! É por isso que como em tudo na vida, até no próprio fenómeno artístico, a durabilidade e sábia humildade é sinal de consistência e de um ideal de vida.

Será novidade Bono Vox, a alma-vocalista do grupo (que perdeu a mãe aos 14 anos) e grande impulsionador da mega sensibilização mundial (de há dois meses) LIVE 8 para terminar com a fome em África, ter sido a única pessoa do mundo nomeada para um Grammy (a distinção mundial na área da música), um Óscar (a distinção do cinema), um Globo de Ouro e um Nobel? De modo algum é novidade o reconhecimento deste “servo” da paz que teve o gosto de cantar e oferecer os seus óculos ao Papa João Paulo II. Bono é católico, não tem preconceitos de assumir a fé como caminho de sentido para a vida, e ilumina a sua hoje impressionante acção social na base da sua própria convicção. Nas suas letras e dinâmicas músicas refere, com pleno significado, palavras como oração, celebração, Deus, Jesus Cristo. Começando por lutar dedicadamente por uma Irlanda mais pacífica, a sua casa hoje é o mundo, vivendo cada vez mais um sentido humanitário como o centro da sua vida. Neste sentido universal, continua a cantar que “ainda não encontrou aquilo que procura” (I still heven’t found wath i´m looking for) e a sonhar que o Mundo seja um (One). Há momentos únicos da história universal que os irlandeses continuam a eternizar de que destacamos entre tantos outros os temas: pride (in the name of love) (em nome do amor), dedicada ao martírio do Pastor Luther King na defesa da dignidade da pessoa humana (negra) nos EUA, ou Miss Saraevo, como memória da cruel e vergonhosa guerra da Bósnia que trouxe até nós as horrendas imagens mais anti-Miss.

Como em 2003, também este ano 2005 Bono está nomeado para o Prémio Nobel da Paz. Claro que pelo que escrevemos, até agora nota-se um gosto especial pela banda, é verdade. (Para nós já há longos anos que os U2 são a maior banda do mundo.) Discutível, é certo. E cada género de música no seu lugar. Mas ao mesmo tempo, como eles próprios dão a entender, os U2 ainda estão só no início. Como refere Michka Assayas, jornalista e romancista francês que redigiu o livro “Bono por Bono”, apercebendo-se do cidadão por trás da estrela musical, “senti-me como se estivesse a falar com um prisioneiro político algumas vezes: ele não se permite dizer toda a verdade, mas a forma como responde dá-nos pistas do que poderá ser a verdade.”

Estarão os U2 a servir-se da fama musical para mais prestígio a partir do campo humanitário? De modo algum, a convicção está-lhes no código genético, ou se não basta apreciar as letras cantadas de Bono e a sempre inspirada guitarra do The Edge, ou revermo-nos no relembrar dos direitos humanos em pleno espectáculo. O sinal de futuro está dado, e corresponde ao desígnio da própria humanidade. Na simbólica palavra “COEXIST”, coexistir, Bono diz-nos que a cultura da convivência terá de ser um imperativo para todos, a começar pelas religiões. E até para isto ele inventou uma sigla: CXT - “C” de meia lua islâmica; “X” da estrela do Rei David, religião judaica; e o “T”, “tau”, de Cruz Cristã, o Cristianismo. Eis uma chave de leitura de unidade para a PAZ MUNDIAL que do mundo artístico “de ponta” (os U2 são incontornáveis cada vez mais) se pode juntar a sinergias mais formais como as instâncias humanitárias presididas pela ONU ou as ONG’s.

Se parece fácil ou evidente toda a visão positiva construída pelos U2?então paremos e olhemos em redor: vejamos tantos grupos musicais feitos impérios de vulgaridade e insignificância, tanto discurso oco de vedetas e vaidades com palco para as novas gerações que não tendo qualquer alma para comunicar acabam por cair e levar ao vazio. Lembre-se, há anos, o trágico suicídio de Curt Coubain (do grupo Nirvana) que levou fãs ao mesmo triste e destino.

Se calhar podemos mesmo dizer: o mundo agradece que a banda com mais impacto mundial no presente e para o futuro próximo, que sabe aliar toda a impressionante inovação tecnológica a uma poética com alma e causas, os U2, que sejam um motor global no caminho da Justiça, do Desenvolvimento e da Paz. Ainda: Bono fundou uma ONG com estas causas? É também embaixador da Campanha Pobreza Zero (www.pobrezazero.org ) promovida pela OIKOS em Portugal.

Se existe quem desconsidere o fenómeno artístico-musical, então talvez seja hora de despertar, aperceber-se do que está em causa, do seu impacto comunicativo e assumir uma aproximação positiva para onde estão as novas gerações; assim seremos melhor presença, resposta e desafiante proposta.

(Já agora e para apreciadores, se nos perguntarem, e nunca confessámos tanto: o nosso preferido álbum Achtung Baby. A canção que colocamos (e cantamos) em primeiro: One. A que nos mais nos toca pela criatividade surpreendente: The Fly.)

Alexandre Cruz*
*Centro Universiário de Fé e Cultura de Aveiro


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