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25-03-2005

Páscoa 2005


Crónica da América

Para quem crê, profunda e sinceramente, a Páscoa, hoje celebrada pela Cristandade à volta do mundo, é o fulcro máximo da sua crença civilizacional. Todas as culturas assentam num pelourinho de fé. Uma espécie de âncora que garante a segurança da barca social ou étnica dos povos. Há imensas religiões, crenças, tabus, mitos e ideologias, e o efeito de todo eles, é idêntico: aglutinar as massas, grupos ou agregados humanos em que cada um nasce e se acha inserido. E só por isso, as religiões e as crenças num ser oculto e misterioso, que está para além da compreensão humana, representam um papel importante, na civilização e no progresso dos povos.

No entanto, em muitos espíritos, coabitam e dormem pacificamente na mesma cama, a crença e a crendice. Existe uma importante classe de pessoas bem intencionadas, que ao Domingo vão à missa e à Segunda-feira vão à bruxa. E estas duas forças acasalam-se, e formam o edifício intelectual das pessoas que assim pensam. E há até muitos que dizem que, se é bom estar de bem com Deus, também é bom não estar de mal com o Diabo. Pois o mafarrico é capaz de fazer coisas feias.

Ia eu dizendo que a Páscoa é o ponto fulcral da crença dos cristãos, de que Cristo ressuscitou e subiu ao céu ao terceiro dia. E é assim que a festa da Páscoa é celebrada entre nós, os que, por vontade própria ou por tradição, pertencem ao rebanho cristão, visível ou invisível. E é a este rebanho que nós, portugueses, pertencemos, e essa crença nos levou às descobertas e conquista de terras e ao domínio de povos, a quem pela força das armas procuramos impôr a nossa Fé, crentes de que estávamos prestando um serviço a Cristo, o “Principe da Paz”. Assim pensam também os muçulmanos e todos aqueles que julgam que o Deus do Islão, é o único e verdadeiro.

Mas eu, por qualquer motivo que não compreendo, prefiro ver a Páscoa pelo seu aspecto humano. E para isso dou-me a viajar pelas veredas enluaradas da memória, até aos meus tempos de criança, e assim invocar,

Minha Páscoa de Menino

Resuscitou, não está aqui
disse o anjo às três Marias
logo cedinho ao acordar?
E do túmulo vazio
três pombas brancas saíram
pelos ares a esvoaçar.

Cá fora o sol era oiro
pelas terras já lavradas
sobre os brejos de Fareja
e as areias brancas das lombas.

E as penas negras da gente
a esvoaçar se juntavam
as penas brancas das pombas.

E as moças vinham de longe
muito alegres e alvoraçadas,
buscar água benta nova
para os dias de trovoadas.

E havia água nas bilhas
nos cabelos e pelo chão
água de novo benzida
na pia do meu baptismo
pelo Reitor Pericão.

Cá fora no adro os rapazes
ruidosos, aos magotes
preparavam-se para a queima
do Judas Iscariotes.

E o velho Judas de trapos
enforcado na figueira
tinha bombas de foguetes
a até de carga inteira.

E o rapazio moleque
pé descalço, em alarido
imprecava com ardor
o homem de palha feito
o traidor arrependido.

Lembro os colegas da rua
todos com seu apelido
eu, Minerro, o Roubaco
o Faré, o Sacristão

o Russo, e o Chicharro,
o Caroca e o Trovão.
Ao outro dia beijava-se
na sala familiar
a cruzfria do Senhor.

havia amêndoas na cómoda
copinhos de vinho fino
e uma galinha p’ro Reitor.

E agora, cá deste lado
do longo mar aceano
em terras de bruma e neve
fico com o peito mais leve
lembrando o tempo passado
e o drama do pobre Judas
por suas mãos enforcado.

--- um drama de consciência
de um homem atormentado...
os Judas não faltam na Terra
abundam na sociedade
mas Judas de consciência
há bem poucos na verdade.

(E na cómoda havia amêndoas
e copinhos de vinho fino?)
E agora só resta o luar
da minha Páscoa de Menino.

Manuel Calado
USA


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