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23-02-2005

O Trapaceiro


Pluralidade

Creio estar cientificamente provado - e comprovado - que o passar dos anos afecta irremediavelmente as qualidades e as aptidões de uma pessoa. A memória vai-se perdendo - sobretudo a mais recente -, a coerência de atitudes é «chão que já deu uvas», a lucidez já não é o que era.

Numa palavra, as qualidades vão-se esvaindo, lentamente, ante os olhos e a impotência, dos que convivem com os que envelhecem - que têm de se resignar com a impossibilidade de fazer o que quer que seja, nada mais lhes restando do que a memória dos tempos idos.

Ocorreu-me esta recordação de alguns dos principais sintomas da velhice, depois de ler - com estupefacção! - esse inenarrável “cromo” da política nacional em que se transformou o outrora distinto Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral apelar ao voto no PS. Em bom rigor, nunca o percurso político de DFA foi aquilo que se possa designar de um exemplar trajecto de coerência política. Não, nunca foi.

Dilecto discípulo do último Presidente do Conselho da Constituição de 1933, fundou e liderou o CDS, concubinando-o com o PS com o à-vontade com que o casou com o PSD na defunta AD; fartou-se de ser grande em demasia para tão pequeno partido e partiu; ensaiou ser Presidente da República, e só não o foi por «uma unha negra», sem se importar de humilhar quem liderava o Partido que fundou e que tinha sido o seu (não foi Doutor Adriano Moreira?); como acontece com os fracos, viu-se sozinho e por todos abandonado, tendo de arcar com as dívidas da sua campanha; mais tarde, voltou ao mesmo Partido que fundara e que o acolheu de braços abertos para apregoar a «rigorosa equidistância» que o eleitorado violentamente penalizou nas urnas; foi substituído por outro cromo da nossa política caseira (que tal como DFA também entendeu ter um partido pequeno demais para o seu ego e partiu para um fazer um partido à sua dimensão - dimensão essa que o eleitorado se encarregará muito em breve de dizer qual é) sem se coibir de ir à Assembleia da República cumprir o tempinho de mandato, necessário à obtenção da prebendazita da mesa do orçamento (lembram-se?); quando o Partido que fundou se transformou em Partido Popular (designação histórica dos partidos democratas-cristãos) renegou o Partido que criou - ele, que tinha sido Presidente da União Europeias das... Democracias-Cristãs! - e colou-se ao PSD de Cavaco em fase terminal e de Durão Barroso nos Negócios Estrangeiros para alcançar a Presidência da Assembleia Geral da ONU; rendeu-se aos encantos e conviveu em união de facto com Guterres, com a facilidade com que apoiou Durão Barroso e acedeu a colaborar com Cardona na liderança do grupo de trabalho que estudou a reforma do sistema prisional português; e, agora, declara apoiar José Sócrates para Primeiro-Ministro, apelando à obtenção de uma maioria absoluta do Partido Socialista, na mesma semana em que prefacia e apresenta publicamente o novo livro de Garcia Pereira (sim, esse mesmo, o do MRPP) na presença do grande educador das massas proletárias de há trinta anos, de seu nome Arnaldo de Matos. O mesmo Arnaldo de Matos que há trinta anos, cercava, ofendia, insultava e agredia DFA e quem estava a seu lado. Ora, como não consta que Arnaldo de Matos tenha mudado.... Vê-lo-emos, ainda, um dia, Secretário-Geral do Bloco de Esquerda, lado-a-lado com o moralista e inquisidor Anacleto (ao lado de quem, em bom rigor, até já discursou na Aula Magna em manif contra a guerra - lembram-se?).

Pois é. Foi este o percurso de DFA - académico emérito, seguramente; mas político certamente esclerosado, precocemente. Precocemente, envelhecido. Precocemente, ultrapassado; precocemente incoerente. Senil. Em busca de uma candidatura presidencial que «vingue» o desaire de ontem, nem que, para tal, tenha de se aliar a quem ontem mesmo o derrotou.

Na interpretação benigna de uma vida política que ficará apenas como uma simples nota de rodapé nos anais dos estadistas nacionais. Porque na interpretação maligna da mesma, apenas figuraria ao lados dos trapaceiros - que sempre os houve - dessa mesma política caseira.

Lendo o artigo de DFA que motivou este texto, dei comigo a recordar Adelino Amaro da Costa. Acredito que Adelino, o humanista, o democrata-cristão, tenha dado uma volta na sua tumba de Odemira ao tomar conhecimento do texto do seu ex-companheiro de caminho. E quis esquecer, mas não fui capaz, todos quantos disseram que, além de crime, Camarate foi, também, um tremendo erro de facto: naquele avião, nunca devia ter ido aquele Ministro da Defesa. Devia ter ido o Ministro dos Negócios Estrangeiros da altura.

João Pedro Dias*
* Professor Direito Comunitário


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