O presidente da associação Apelo, de apoio a famílias em Luto, escreve sobre a tragédia de Lamego que vitimou seis trabalhadores de uma fábrica de pirotecnia e que regista ainda dois desaparecidos. José Eduardo Rebelo lembra que o luto e a ajuda não podem ser processos impostos mas pedidos.
Ferreiros de Avões, o pesar de uma comunidade: como apoiar os familiares em luto?
A catástrofe varreu a freguesia, foi ampliada ao país e teve ecos de destaque no estrangeiro.
Dada a dimensão da tragédia, representantes políticos e religiosos da comunidade cumprem os rituais de condolências junto dos familiares em luto. A comunicação social invade-nos com os detalhes da explosão, as buscas e todas as demais averiguações veiculadas pela proteção civil.
Centremos a nossa atenção nas pessoas arrasadas pela perda ou que ainda não a confirmaram porque não viram o corpo dos seus entes queridos. Como deve ser feito o apoio ao luto a quem se viu privado dos seus entes queridos?
O Presidente da República, que esteve junto dos enlutados, usou o termo “Choque” para caracterizar a vivência do luto que os familiares estão a experienciar. Assim é, de facto. Logo que recebe a notícia da tragédia, o organismo do enlutado, para defender a sua saúde, levanta todas as suas barreiras de defesa, pois as suas expectativas emocionais em relação à pessoa amada, ainda não podem ser, simplesmente, desligadas, como se de um interruptor se tratasse.
A negação da perda instala-se, completa, quando ainda não se viu o corpo, e acrescida de torpor, quando se tem de cindir a mente entre a realidade que é imposta ao olhar e a recusa emocional em abdicar de quem é tão imprescindível. Nesta vivência global do choque, a pessoa em luto manifesta-se com hostilidade, embora que, por vezes, reprimida, a tudo e todos que insistam no que ela nega: a morte do ente querido. A esperança instintiva é tudo o que lhe resta, uma angústia de que tudo fosse um pesadelo irreal e, amanhã, o acordar fosse sereno e tranquilo na presença do bem-amado.
Como deve agir quem se disponibiliza para apoiar o enlutado na vivência global do choque?
Comecemos por salientar que, por mais trágica que tenha sido a causa de morte, o ser humano está preparado para lidar com a privação de quem muito se ama, como um filho ou um irmão gémeo verdadeiro. As reações que o enlutado manifesta, desde o início do seu luto, por mais aflitivas que se possam afigurar a quem não tenha uma ligação próxima (de pai ou filho) ou conjugal com o morto, são naturais e, na esmagadora maioria dos casos, saudáveis.
Com muita delicadeza e sensibilidade, o familiar, amigo, vizinho ou o Conselheiro do Luto, tendo em atenção as vivências específicas do negar e do torpor que o enlutado experiencia, deve disponibilizar a sua presença sem a impor, ouvindo, somente ouvindo, o que o enlutado tem necessidade obsessiva de dizer e nunca julgando os seus atos nem dizendo o que deve ou não fazer. A pessoa está armada de uma couraça contra o que, vindo de fora, o empurre, sequer, para o reconhecimento da perda, quanto mais para a sua aceitação.
Que palavras dizer e não dizer a quem está em luto?
Muito simplesmente, nada dizer e abraçar, quando existe alguma intimidade, ou, quando temos de proferir algo, limitarmo-nos a: “Não tenho palavras para si!”. São ofensivas para o enlutado frases do tipo: “Coragem!”, “Ainda tem outro filho!” (na morte de filhos), “Não Chores!”, “O tempo ajuda!”, “Tens os teus filhos para te ajudar!”; frases de teor religioso, como “Foi a vontade de Deus!”, “Ele está no céu, está melhor do que nós!” e “Ele está no céu a cuidar de ti!”.
Em relação às crianças, por morte do pai ou da mãe, há que ser muito verdadeiro, pois os medos e complexidades são dos adultos, não de quem tem pouca idade, mesmo que seja adolescente. Compete ao progenitor sobrevivo e a mais ninguém, na esfera amorosa que os une, comunicar que a pessoa morreu, que jaz no caixão e deve acompanhá-la a ver o corpo e no funeral, sem a forçar a tal. Deve, ainda, referir, sobretudo às crianças, que o progenitor nunca mais vai voltar, assegurando que continua a ser amada como antes, que o lar se mantém (se for possível) e que continuará com tudo o que tinha antes, incluindo os amiguinhos. Nunca deve ser dito a uma criança que quem morreu está a dormir, foi fazer uma viagem, é uma estrelinha ou que foi para o céu de onde a vê e cuida dela.
Com o funeral realizado e as questões judiciais e burocráticas resolvidas, quando os familiares não próximos e os vizinhos se afastam para retomar a rotina do quotidiano, até cerca de um mês após a perda, o enlutado, entregue à sua solidão, tem de deixar cair as suas defesas de negação. Iniciam-se vivências globais da descrença que se confrontam com as do reconhecimento, num doloroso caminho, por vezes, muito longo, até se alcançar a superação da perda. Como o luto é um processo intrínseco ao relacionamento que existiu entre duas pessoas, será ela a encontrar a via que lhe seja mais adequada, sem censuras e avaliações alheias, para recuperar o seu bem viver, ou seja a paz interior em reconciliação com o seu passado.
O apoio ao luto terá de ser solicitado pelo enlutado, nunca imposto, devendo ser fornecido por familiares ou amigos, se estão em condições de ouvir e não censurar, ou por especialistas, os Conselheiros do Luto, como os que a APELO – Apoio ao Luto (http://apelo.pt) disponibiliza.
José Eduardo Rebelo
Presidente da APELO – Apoio ao Luto
Professor Universitário
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