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08-09-2004

A Paixão da Rússia


Univer(sal)idades

Não é nenhum DVD. Não é filme, é bem real a agitação das águas do nosso mundo! Por estes dias, à distância dos três anos do 11 de Setembro, os olhos do planeta voltaram-se para Beslan. Mais uma cidade escrita no mapa da tragédia. Num directo que globaliza as mais horrendas paisagens e que dificulta o apercebermo-nos de que fomos mesmo “criados para o amor”. O impossível e impensável voltou mais uma vez a ser realizado. E com doses crescentes de miserabilidade: mesmo, ao que nos conta a história, nas batalhas medievais mais sangrentas da triste guerra que sempre acompanhou a des-humanidade, as crianças e mulheres eram respeitadas. Beslan, Setembro de 2004, marca das rupturas mais grotescas do nosso tempo, onde o silêncio meditativo fala mais alto: as crianças mortas carregam na nossa memória para todo o sempre aquilo de que os homens no seu pior são capazes. A paixão das crianças russas contém um grito simbólico: parem com este mundo, com esta cultura de morte! Mudar de canal? Optar por rejeitar a verdade? A era da comunicação não permite a “voz off”. Até agora, tinha sido possível, da parte da Rússia, esse ocultar como garantia de um império que, apesar de tudo, continuava vivo: na catástrofe de Tchernobyl, no submarino Kursk, no teatro de Dubrovka. Sempre o esconder e relativizar da tragédia. Desta vez, foi diferente: o mundo foi confrontado em directo com este excesso de mal que perturba gravemente a racionalidade. Agora, o verniz estalou. Já não há nada a esconder. A Rússia, pela voz de Putin, finalmente reconhece que “não estava preparada”. Já não estava há muito, para muitos âmbitos da vida social, já se sabia. Mas esperava-se que ao menos a segurança estivesse nos mínimos olímpicos. Mas não era verdadeira a aparência de ‘força-segura’ que Putin fazia transparacer. E os efeitos colaterais aí estão: pressente-se o eco de Bush na voz de Putin que ajuda o republicano na campanha (militar) para as eleições dos EUA. Putin repetiu o refrão: vamos contra-atacar o terrorismo internacional. Nem que seja por auto-defesa… Mas, é a clara opção, irreversível, pela abertura definitiva da Rússia; é o laço íntimo de informação que se vai estabelecer entre os dois pólos da guerra fria. É a esperança que quer insistir na sua própria aparição… mas sem se ver muito bem como, esperança carregada do nevoeiro crepuscular expectante ou do pó da guerra ou da agitação do medo! Nestes dias turbulentos, na visão russa e na memória de Manhattan (Nova York.11.09), a comunidade dos mártires cresceu mais ainda. Triste fado, este, de um mundo capaz de ir à longínqua lua ou às profundidades científicas dos 30.000 genes do maravilhoso genoma humano… mas incapaz de gerir pacificamente as relações entre os povos. Há qualquer coisa, nos terrenos da consciência mais profunda por desbravar, purificar, inventar! A este propósito, fundamenta-se o receio do “dia seguinte” na região da Ossétia: é que a cultura de vingança é típica na zona do Cáucaso, onde a honra se lava com o sangue. O “tempo” na Rússia, como em todo o mundo, vai tendo qualificações acrescidas: se até agora “tempo” já era dificuldade, riqueza para alguns / pobreza crescente para muitos, tantas vezes fome, provação, agora ele adquire um peso dramático, ao segundo: “tempo” é medo, imprevisto constante! Cada vez mais, em qualquer lugar. Por isso importa quase re-aprender a viver e, conhecendo as fraquezas dramáticas deste mundo, procurar gerir serenamente a ansiedade e viver a esperança! Se existissem dúvidas, a “Paixão” continua. Numa leitura dos sentidos da vida e da história, a Paixão de Cristo (infelizmente!) persiste! Desta vez, vitimou, entre centenas de pessoas, um enorme número de pós-embriões humanos já com 10-15 anos. Águas turbulentas no barco da vida! Dramas de um mundo que lá longe ama a vida e dramaticamente a perde; cá perto tem a vida e prepara-se para a deitar a perder… Quem dera que, depois de acalmado o pó das guerras, de bombas ou de palavras, os homens inventassem o Barco-do-Valor-Inquestionável-da-Vida-Humana. E nele todos fôssemos percorrer o mundo fora a festejar a paz e a aperfeiçoar uma ética da vida e o profundo conhecimento do ser humano de si mesmo. Sonho lindo! Talvez um dos departamentos da (urgentemente) re-estruturada Organização das Nações Unidas fosse ao encontro de uma cadeia mundial de saberes, onde todas as universidades dessem o seu essencial contributo. Um banco de dados universal, a ser continuamente estudado, com sínteses visionárias, a fim de conhecer as etnias e compreender profundamente os imensos “porquês” que muitas vezes trazem dramáticas consequências. Compreender mais a raiz dos possíveis problemas. Um investimento no essencial da vida (ao jeito da aposta de Cristo) no conhecimento do ser humano, da cultura (e mesmo ‘feitios’) de cada povo, raça; da história vivida antes de nós; criar laços nos muitos “essenciais” para gerar mais fraternidade; de… para ver se assim como já fazemos previsão dos sismos, quem dera se faça uma melhor gestão das tendências, mobilidades dos pensamentos e das populações. Talvez o mundo fique um pouco mais seguro! Se pelo menos se conseguissem tirar as pedras e as armas das mãos das crianças no mundo inteiro. Temos de começar por algum lado! Elas, primeiras vítimas, aprendem sempre dos adultos…quer na Rússia quer em Portugal! Alexandre Cruz, Centro Universitário de Fé e Cultura

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