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01-04-2003

Latoeiro - Meio século de arte e sonho


Mamarrosa

Malhapãozinho - Mamarrosa LATOEIRO - MEIO SÉCULO DE ARTE E SONHO Armor Pires Mota António Eugénio Marques que, no próximo dia 12, vai festejar 71 anos, leva meio século de arte à volta de pingos de solda, folha de flandres, máquinas de sulfatar, regadores, candeias de petróleo, cântaros, almotolias e caleiras. É latoeiro ou funileiro, arte que aprendeu no vizinho lugar da Quinta do Gordo. Um dos últimos da região. PAGAR PARA APRENDER António Eugénio Marques, natural e residente em Malhapãozinho, freguesia de Mamarosa, apesar da crise relativamente a certas peças que hoje fazem parte do património rural colectivo, não fugiu da arte que aprendeu, tinha 18 anos, na oficina de António Augusto da Silva, também conhecido por Gazel, alcunha que a ele próprio pusera. Durante um ano e um mês, recorda, trabalhou na aprendizagem que, de resto, como era usual ao tempo, teve de pagar ao “mestre” do seu bolso. Pagou ao mestre nada menos do que 500$00. “Era quanto levavam para ensinar”, explica-nos, sorridente. A partir daí, começou a levar para casa 20$00 por dia. Poderia ter sido alfaiate, por defeito físico. Tem a perna direita mais curta uns dez centímetros. Quando era pequeno, a irmã que brincava com ele às cavalitas, deixou-o cair e a mazela ficou para sempre. Esta arte daria dinheiro, mas o pior é que tinha de andar três/quatro anos a aprender, enquanto a arte que abraçou definitivamente, “aprendia-se em menos tempo”e o que importava era “começar a ganhar mais rápidamente possível”. Começou por aprender a confeccionar, durante dois anos, cântaros, regadores, funis e todo o material de adega, candeias de petróleo, almotolias e sobretudo alcatruzes para os engenhos dos poços. Depois, passados dois anos, montou oficina em Malapãozinho, em casa velha, que foi substituida pela actual onde trabalha com afinco, fazendo tudo o que há para fazer. Sobretudo, caleiras e arrufos, muitos em chapa de flandres, mas também de chapa inox... E com esta esta sadia idade, feita de calos e muitos trabalhos, ainda não se teme de ir e andar em cima de um telhado, a não ser que seja muito alto. Aí pensa duas vezes, porque já não é nenhuma criança. Não esconde o facto de o negócio deixar algum para o governo da casa (é casado com mulher natural de Ouca, mas com raizes em Levira pelo lado dos avós) e de sobrar ainda para comprar algumas terras que ia fazendo. Ao exercício da arte, em certo tempo, juntava um outro, bem diferente. Tirava borras para o Joaquim Lincho, de Sá, Sangalhos. Para não prejudicar o trabalho de oficina, cumpria essa tarefa “pela noite adiante” ou logo de manhã. No entanto, reconhece que nesse tempo das alomotolias e candeias, havia alguns calotes, “ alguns fiados”. Hoje, esclarece, há mais, “aparecem pessoas que não pagam”. CANDEIAS, HOJE SÓ POR FESTA Este artesão não fala em crise, houve sempre trabalho, ainda que a luz eléctrica tenha remetido para o rol das coisas coleccionáveis as candeias a petróleo ou azeite, “isso foram coisas que passaram “, ainda que os alcatruzes tenham apodrecido nas águas dos poços ou à sua beira, com o aparecimento dos motores de rega. Também os plásticos vieram roubar algum trabalho. Antes, os canos de rega eram de chapa de flandres. Porém, ainda hoje fabrica candeias, por festa, para ofertas no fim do ano ou em outros acontecimentos. Para bibelôs. Não há qualquer dificuldade em confeccioná-las, é difícil é “arranjar as bocages de candeia”, também conhecidas por “tarrachos”. Trata-se da cabeça ou topo da candeia, onde ardia ou fumegava a torcida. A almotolia também ainda há quem a encomende, mas agora é feita “à base de inox”. Todavia, muitas que aparecem no mercado são provenientes de fábricas que, reconhece, sempre houve. Aliás, António Eugénio Marques comercializava, “há coisa de vinte anos”, bacias de lavar a roupa, feitas de inox, provenientes de algumas. Quem nunca andou pelas feiras, como tantos outros, foi este artesão de Malhapãozinho. “Vendia tudo em casa”. Como nunca vendera pelas feiras o Gazel, da Quinta do Gordo. Tudo o que fazia, vendia. De resto, sempre trabalhou sozinho, nunca teve empregado. Nem os filhos deram a mão. Seguiram outros caminhos. “O que eu faço, faço-o sozinho, nunca tive empregados. Nem a mulhar nem os filhos”. Os clientes eram de perto e de mais longe: Mamarrosa, Samel, Levira, Malhada. Agora na artre das caleiras, são de Vergas, Vagos, Levira, Bemposta, Couvelha, Feiteira, etc.. ANOS A GALGAR POR CIMA Recorda o artesão os tempos em que o trabalho não lhe metia medo. “Sempre se fez alguma coisa. Agora é que os anos estão a galgar por cima”, lamenta-se. Agora, anda à volta das caleiras e as que se estendem à frente da oficina e casa e de casas vizinhas mostra bem que ainda tem clientela. Justifica isso pelo bom preço: “nunca explorei os meus clientes, como os de agora. Por isso ainda vou tendo trabalho”. Mas também conserta máquinas de sulfatar - “às vezes, arranja-se uma data delas”. E logo se defende: “os artistas de agora já não sabem nada disto. Deito-lhe água e vejo logo o que elas têm”. E lá ficou, naquela tarde ventosa, o artesão de volta de caleiras de que não lhe faltam encomendas, com uma fatia de sol a entrar-lhe pela porta e naturalmemte pela alma, não se queixando da vida, mas mostrando-se satisfeito por poder arredondar a reforma, que lhe chegou de madura, com mais uns euros, provindos do trabalho de cada dia. Não dá descanso ao trabalho, embora esteja reformado há sete anos. Mas gaba-se de uma coisa. “sou deficiente mas a minha reforma caiu de madura, nunca quis explorar o Estado”. (20 Jan / 10:52)

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