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01-04-2003

O Rabo de Bacalhau


Editorial

Editorial O Rabo de Bacalhau Este ano, não vou escrever nenhuma carta ao Pai Natal. Permito-me pregar-lhe essa partida. No entanto, chamo para esta coluna a ministra das Finanças que não é, ou não tem sido, própriamente mamã Natal. Longe disso. Se tem um sorriso, não é de afectos, é apenas um ritus, quase malandro. Se anuncia alguma coisa, é para vender os anéis, todos os que houver à mão. Se vem a televisão, é para mostrar esse ar de mulher austera, indomável. Se tem ideias, uma é terrivelmente fixa, a do Pacto de Estabilidade, para Europa ver e o país sofrer e entrar nos carris. Durão Barroso não podia ter escolhido melhor para desempenhar esta tarefa de mal-amada. Os cidadãos pagam a factura, todos os dias. Nesta quadra, bem que podia a ministra Ferreira Leite dar uma de mamã Natal, porque as coisas até lhe estão a correr bem. Mas o seu sorriso morno e malandro não traz nada de bom, a curto prazo. Pode ser que daqui a dois ou três anos, o país agradeça tal postura austera. Mas isso é só amanhã e hoje é que dói mesmo. Sabemos que o país bateu no fundo, o investimento externo é diminuto, a economia alcançou a plataforma da estagnação porque a produtividade continua a ser o que é, baixa, e a inovação o que é, lenta... Por isso, Ferreira Leite viu-se obrigada a vender os anéis. Resta saber se um dia ainda não vão os dedos, se todos não fizermos algo mais do que temos feito. Ferreira Leite só se sente bem a encher os cofres do Estado.Ou melhor, a tapar os buracos do Estado. Onde ela vir que há com que fazer morcelas, não olha a quem as faz. Faz. Olhem o anúncio do pagamento das portagens na CREL. Vai doer a muita gente, a tornar mais cinzento ou triste o Natal de milhares de cidadãos. Vai entrar-lhes duramente nos bolsos, romper a esperança de melhores dias. Encontrou também rica panela de euros na venda da PT. Não há que olhar para trás. Arrecadar é mais importante do que tudo o resto. Está a cumprir uma missão. Dolorosa. Mais para nós. Onde mais a elogiamos é quando traça medidas para sacar dinheiro de impostos aos devedores do Estado e outras dívidas fiscais. O perdão de juros é polémica, mas está a resultar Perante tamanho “bolo”, os infractores meteram a mãozinha na consciência e, pronto, estão a redimir-se da sua falta grave. Agora confessamos que as ordens às polícias para apreender todos os carros que rolem pelas estradas sem selo, é também uma óptima ideia. Como ela se foi lembrar de um filão destes! Mas também é bem feito para os que se armam em xicos-espertos. Que se cuidem, que Ferreira Leite não é para brincadeiras. Nem no tempo de Natal. Agora, já era tempo de Ferreira Leite abrir um sorriso mais franco e afectuoso, sem nada na manga, nem ralho nem imposto. Pelo menos, neste Natal devia começar a tornar-se mamã Natal que os portugueses já mereciam. Andam tristes, cinzentos, de poucas palavras, mas de muita contrariedade. Possivelmente este vai ser o Natal mais triste dos últimos anos. Não só porque há mais desemprego (também por isso), mas sobretudo porque dos bolsos sai mais cotão do que euros. O comércio ressente-se, as crianças irão ser as mais prejudicadas, mas os grandinhos também. O cinto aperta e dói, até às lágrimas. Vamos aos grandes espaços comerciais e as pessoas fazem contas. Passam pelo sector do bacalhau, olham gulosos para o peixe grande, mas têm que contentar-se com o mais miúdo. O bacalhau graúdo é só para os grandes deste reino que continuam em grande forma, a comprar apartamentos de cem mil contos ou carros de topo de gama O dinheiro não dá para tudo e muitos, se calhar, irão contentar-se com chupar o rabo de bacalhau, porque a mamã Natal tem sido demasiado poupadinha para o gosto dos portugueses. Também podia ir ao baú de todos com menos pressa, mais devagar, não lhes parece? Era mesmo bom que neste Natal deixasse uma palavra de esperança a todos: que o aperto de cinto já atingiu o último furo e agora começa a barriguinha dos portugueses a ficar um pouco mais anafadinha. Precisamos rapidamente de um sorriso, de um carinho de Ferreira Leite, se não definhamos. É urgente como pão para a boca. (18 Dez / 16:40)

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