Uma equipa de biólogos da Universidade de Aveiro (UA) descobriu uma nova espécie de microalgas numa lagoa artificial localizada no próprio campus universitário. O organismo foi batizado de Tovellia aveirensis, numa referência ao género a que pertence e à cidade onde foi descoberto, e faz parte do grupo dos dinoflagelados, microalgas que causam a maioria dos fenómenos de ‘marés vermelhas’ e que, na ria de Aveiro, estão na génese de toxinas que frequentemente levam à proibição da apanha de bivalves.
“Se à partida me pedissem para indicar um local que pudesse constituir a morada de uma nova espécie, este lago [com cerca de 100 metros quadrados situado a três dezenas de metros do Departamento de Biologia (DBio) da UA], não seria definitivamente uma das minhas primeiras opções”, aponta a bióloga Mariana Pandeirada responsável pela descoberta, juntamente com os biólogos da UA António Calado e Sandra Craveiro. Usado vezes sem conta pelo grupo de investigação para recolha de amostras a fim de serem apresentadas aos alunos durante o estudo de microalgas, o lago, confessa, “não era uma opção para a identificação de uma nova espécie, já que a sua diversidade é relativamente bem conhecida”.
No entanto, mais do que o local a ser estudado, Mariana Pandeirada, transposta que está a surpresa da descoberta de um novo ser vivo mesmo ao pé da porta, acredita que “a chave para a identificação de um organismo potencialmente novo está no conhecimento adquirido sobre o grupo em que este se insere, o qual deve ser iniciado com a aprendizagem das características morfológicas” que justificam a sua inclusão numa dada divisão de organismos.
“A partir desse conhecimento ficamos mais suscetíveis a detetar a presença de organismos em que algo na sua morfologia, ou mesmo dentro do seu ciclo de vida, não vai de encontro ao que está descrito para os seus parentes próximos”, diz. No caso de Tovellia aveirensis, foi a capacidade de produzir quistos distintamente diferentes dos conhecidos para o género que despertou a atenção do grupo de investigação do DBio que deu à ciência a novidade, e que contou com a colaboração do Departamento de Biologia da Universidade de Copenhaga (Dinamarca).
Tovellia aveirensis produz quistos de resistência (estruturas que permitem ultrapassar condições ambientais desfavoráveis) ornamentados por numerosos espinhos geralmente ramificados nas extremidades, “marcadamente diferentes dos que eram conhecidos para o género”, aponta a bióloga. Mariana Pandeirada acrescenta que “a nova espécie faz parte de um dos grupos de dinoflagelados em que a identificação de espécies é particularmente difícil, resultado do seu delicado revestimento externo formado por numerosas placas celulósicas finas, o qual pode passar despercebido, ou mesmo ser impercetível, em microscopia ótica”.
Assim, a descrição de Tovellia aveirensis foi feita não apenas com recurso ao microscópio ótico mas também através da microscopia eletrónica de varrimento, para estudar a superfície das células, e de transmissão, para estudar o seu interior. As observações foram apoiadas pela sequenciação do DNA que codifica a sub-unidade grande dos ribossomas da microalga.
A análise do ciclo de vida da nova espécie tem revelado particularidades interessantes que serão apresentadas no final do mês de junho, durante o 62º encontro da British Phycological Society, em Galway, na Irlanda. “Temos documentado alguns aspetos, por exemplo durante a formação de gâmetas, reprodução sexuada, enquistamento e desenquistamento, que, pelo menos para o género, ainda não haviam sido reportados”, desvenda a investigadora.
A descoberta foi publicada na European Journal of Phycology, uma das mais reconhecidas revistas da área. Os suportes para microscopia eletrónica de varrimento contendo células e quistos de Tovellia aveirensis, constituindo o tipo nomenclatural que regula a aplicação do nome da nova espécie, ficarão à disposição da comunidade científica no Herbário da UA.
texto e foto: UA |