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18-02-2010

D. António Marcelino reflecte sobre “verdade e interesses próprios e de grupos”.


Diz a sabedoria popular que a garantia de o edifício resistir às tempestades é estar construído sobre rocha firme. Até as crianças ...

Diz a sabedoria popular que a garantia de o edifício resistir às tempestades é estar construído sobre rocha firme. Até as crianças sabem isto, de tal maneira é claro, e aprendido, praticamente, por intuição normal. Porém, o que para crianças é claro, nem sempre o é para pessoas crescidas que se gastam a construir coisas que dão nas vistas, esquecendo que, mais tarde ou mais cedo, virá ao de cima a pobreza de não se ter sabido cuidar do essencial.

É assim em muitos sectores da vida: da política ao desporto, da gestão empresarial à economia do Estado, do privado ao público. Por vezes não ficam de fora nem sequer projectos de cariz religioso. Temos assistido, ao longo dos últimos anos, à derrocada de bancos, clubes desportivos, partidos políticos, empresas e instituições. Tudo isto, porque parece que contaram mais os interesses imediatos ou só de alguns, em vez da verdade e do compromisso com o bem social e de todos, único alicerce firme que não pressagia desmoronamentos nem ruínas do edifício social.

Quando se pretende ou se deve recomeçar, nem sempre a lição anterior foi aprendida e considerada como aviso, para não se cair num logro repetido.

Há erros irrecuperáveis que deixam vítimas sem conta como, perda de bens, projectos incompletos, desistências forçadas, aproveitamentos desonestos, malabarismos políticos, cegueiras incómodas, inimizades de estimação, truques vergonhosos, relações encrespadas. Tudo isto e mais ainda, são destroços que cobrem o campo aberto das batalhas perdidas e dos esforços malbaratados e sem futuro, sempre que falta a verdade que gera honestidade e compromisso.

A ausência de verdade na decisão das acções, concretização dos projectos e avaliação dos meios que levaram à derrocada, não admite críticas, dirigidas àqueles que a não respeitaram. Os culpados são sempre os outros, o ambiente, os ventos de fora, a famosa crise exterior. Assim, até que tudo fique claro e se veja que afinal, a mentira do orgulho que nega e não aceita a culpa, atraiu outras mentiras, vergonhosas e prejudiciais.

A vida social de hoje permite esta lamentável inversão de valores objectivos, com muita gente a calar-se por ter medo das pedras que possam cair no seu telhado. Quando alguém tem a coragem da verdade, tem logo, pela frente, a certeza de críticas destrutivas, ameaças eminentes, vinganças sofisticadas.

Quem luta na verdade e pela verdade não teme. A seu tempo, esta protege e defende aqueles que a respeitaram e serviram. Neste momento, parece que toda a gente teme pelo futuro do país. Por motivo não das dificuldades, que sempre as ouve e se foram superando, mas da má construção do edifício social que, por via dos interesses, pessoais, de grupos e de partidos políticos, se apresenta cada vez mais débil, desconjuntado e inseguro.

O exercício aberto e correcto da democracia não devia permitir que as coisas chegassem a este ponto lamentável, de retrocesso difícil, senão mesmo impossível. Acontece, porém, que a democracia já muitos a meteram na gaveta, como em tempos se fez ao socialismo político, por se tornar incapaz de entender a realidade e agir segundo as suas exigências. É mais fácil e mais rápido olhar para o umbigo e para o bolso da carteira, que para as pessoas, com seus direitos, e para situações por resolver a pedir atenção.

Quando a politica não funciona numa base de verdade e de uma democracia a sério, tudo se complica mais. Caminhos mais obstruídos, problemas que se arrastam, pessoas que desistem, outras, sem escrúpulos, que se aproveitam da confusão.

A Europa e vários países da América Latina e da África, mais próximos da nossa compreensão, mostram o descalabro da sobreposição dos interesses à verdade objectiva. E os tribunais, mesmo os internacionais, não resolvem tudo.

António Marcelino

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