Todos os anos por esta altura, José Vitório arma a barraquinha na Feira de Maio, em Leiria, e delicia os visitantes com o seu leitão assado à moda da Bairrada. Do alto dos seus 73 anos, admite que, tudo o que sabe, aprendeu na “universidade dos leitões”: “Há uma faculdade na Mealhada, outras em diversos pontos do concelho de Anadia”, afirma.
Chama a si a paternidade da moda de assar o leitão no espeto em Leiria. “Esta região tinha o leitão espalmado, aberto, tipo Negrais. Praticamente só tinha sal, era gostoso e tinha a pele estaladiça”, explica.
Mas hoje, mesmo em Negrais, zona de enorme consumo de leitão, “90% do leitão já é à moda da Bairrada, assado no espeto. Fui o primeiro a trazer os componentes. Mas agora todos fazem nessa mesma base.”
Natural de Mortágua, José Vitório desenvolve o seu negócio em Vale d’Água, na fronteira entre Colmeias e Boa Vista, concelho de Leiria. À conversa com JB, vai desfiando as memórias. “Fui para a Bairrada para um comércio misto que também tinha leitão.” Entre 1948 e 1955, trabalhou no Lúcio dos Leitões. Depois, esteve um ano no Palace Hotel do Buçaco. “Aí, passava o meu tempo na cozinha. Aprendi muito sobre o esmero, o brio profissional, a exigência. O patrão, Alexandre de Almeida, que aparecia ali de improviso, foi a maior escola de hotelaria do país.”
Nessa altura, “o leitão assava-se em ocasiões festivas e as pessoas mais abastadas também mandavam assar de vez em quando”. Acredita que o leitão à Bairrada se propagou porque tinha outro atractivo associado, igualmente muito apreciado: o espumante, “nomeadamente das Caves Messias”.
É José Vitório quem distribui o leitão na zona de Leiria. Considera-se, por isso, “o telepizza desta actividade”. “Não tenho restaurante, tenho postos de venda. Compro leitão a negociantes e criadores.”
Assa uma média de 300 leitões por mês. No pico do Verão, o consumo aumenta cerca de 60%.
Não tem dúvidas de que “o alho, a pimenta boa e sal q.b. são a alma do tempero do leitão”. “O que fiz de diferente nesta região foi a correcção em relação ao sabor da carne. Eu como leitão todos os dias e nunca enjoei”, afirma José Vitorio.
Para quando a certificação?
A Bairrada sabe e reconhece que o “seu” leitão pode ser hoje apreciado em qualquer ponto do país. Leiria, como outras regiões, não tem pudor em dizer que ali o leitão é até melhor do que o da Bairrada.
Mas… e se fosse criada uma nova raça de leitão destinada exclusivamente ao leitão assado à Bairrada? Nada que a Confraria das Almas Santas da Areosa e do Leitão não tenha já pensado. De facto, o confrade-mor Serafim Alexandre adianta em primeira mão ao JB que, “após estudos com técnicos e com o apoio de um produtor, a nossa confraria está apta a «criar» e a «testar» uma nova raça de leitão destinada exclusivamente ao leitão assado à Bairrada, através do cruzamento das raças «land race/larg wit» e «bísaro», tentando equilibrar o «fibroso» da raça «bisaro» com a gordura quanto baste daquela raça”. E sugere, para sua denominação, “raça bairradino”.
Enquanto a ideia não se torna realidade e não havendo certificação do leitão à Bairrada, “qualquer um tem a liberdade de dizer que aquilo que faz é o melhor”, afirma Serafim Alexandre. “Quem tem de definir o que é bom ou mau, melhor ou pior são, naturalmente, os consumidores”, acrescenta.
António Duque, confrade-mor da Confraria Gastronómica do Leitão da Bairrada, mostra alguma preocupação pela situação: “Preocupa-me, não só Leiria, mas todo o país, de Norte a Sul, num futuro próximo, que terá leitão melhor do que a Bairrada, se nada for feito, para contrariar essa tendência.”
A certificação é uma questão de que se ouve falar há muito. “É parte da solução”, afirma António Duque. “O maior problema é a aceitação por parte do poder político e dos agentes económicos.”
António Duque lamenta o desinteresse, principalmente, das autarquias. “Depois de recebermos, de uma empresa de Consultoria e Marketing de Lisboa especializada em certificações, o projecto com caderno de encargos referente à proposta de certificação do leitão da Bairrada, prontamente, contactamos todas as Câmaras da região. Passados mais de cem dias, só recebemos resposta de três das oito câmaras contactadas e onde já realizamos reuniões”.
Para António Duque, isto demonstra o (des)interesse “que o poder autárquico atribui ao Leitão da Bairrada, a preocupação que demonstra com o seu futuro”.
Oriana Pataco
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