1. Para os chamados países desenvolvidos, para os países em processo de estruturação do seu desenvolvimento, a questão sobre o modelo de vida a seguir apresenta-se cada vez mais como a questão decisiva. Sendo verdade que muitas forças (umas às claras, outras obscuras) existem que condicionam os caminhos de desenvolvimento saudável e justo, tanto lá longe como cá perto, todavia, a questão fundamental do futuro das sociedades não se pode desnortear na indiferença reinante, antes terá de ser assumida por todos como reflexão transversal. Aliás, a própria indiferença generalizada convém às forças obscuras que assim melhor controlam as suas vontades unilaterais e muitas vezes menos servidoras de TODOS, porque menos auscultadoras da realidade real. Democracia, cada vez mais, terá de ser sinónimo de participação de TODOS ? quando não, deixa de o ser transformando-se em oligarquia (seja política seja económica). Naturalmente, neste processo de construção comum, as elites pensantes, às claras, assumirão um papel relevante de liderança do debate? 2. Um enorme perigo atravessa os processos de desenvolvimento das sociedades: por impossibilidade de acesso ou por distracção individualista, o alienar-se da vida social do bem comum e só aparecer na hora de apagar o fogo. Há países em vias de desenvolvimento onde ainda é impossível o aceder democrático às questões fundamentais de todos nessa sociedade em embrião; há países (tipicamente ocidentais) que se têm esquecido de alimentar a liberdade participada, o que vai gerando uma certa anemia social permiável ao controle social de uns pequenos grupos na sombra, que terão tanta mais força quanto mais a indiferença avançar. Que sensibilidade para TODOS (re)pensarmos o modelo de desenvolvimento que estamos a construir? Onde estão os lugares, dos formais aos informais, para estas questões virem à ribalta e serem plataforma de diálogo, encontro, perspectiva de um futuro comum para TODOS e CADA UM? 3. Nos últimos anos, tem crescido a noção e necessidade de uma cidadania assumida na vida cívica diária. Certamente que nesta cidadania pretendida não está inscrita a limitada visão, provinda da Revolução Francesa (1789), quando nos direitos do homem e do cidadão não havia ainda lugar para a dignidade do ser humano. O regresso do discurso das cidadanias - espelhado em tantos movimentos cívicos - certamente quererá despertar um adormecimento generalizado naquilo que deverão ser as preocupações de TODOS, não só no cumprimento dos direitos e deveres (como é típico da cidadania) mas numa abertura disponível para a construção social, ética e dignificante (como sabemos a lei - pedagógica - não pode ser o centro de tudo, até porque nem tudo o que é legal é ética e dignamente correcto). Nas nossas sociedades, viveremos ainda (ou já) numa mentalidade generalizada em que a preocupação das coisas de cada um é o centro de tudo? E a preocupação comunitária pelo bem de TODOS? Sem esta raiz a comunidade desaparece e a democracia seca? 4. A questão do modelo de desenvolvimento (?) não pode ser lateral, hoje, a todos os processos sociais, da formação/educação à política/gestão económica. O planeta que nos pede que o salvemos ecologicamente, propõe-nos que nos salvemos a nós próprios numa abertura humana, sensível e solidária, capaz de reflectir abertamente para redefinir o modelo em que nos temos construído. À desigualdade social que cresce, geradora de profundos desequilíbrios que alastram, torna-se imperioso propor paradigmas de um estilo de vida que não assente no consumo do “ter” mas que revalorize bem mais o “ser”. Neste contexto, em tempos de globalização diária, uma obra de referência de Amartya Sen (prémio nobel da economia 1998), «O Desenvolvimento como Liberdade» (2003, Gradiva), propõe-nos a reflexão sobre o essencial: terá de ser a Liberdade o eixo que determina o desenvolvimento humano e não os euros, os dólares ou as menos claras vontades políticas unilaterais. Que também nas nossas sociedades a liberdade (empenhada por isso responsável no debate, na reflexão para decisões comunitárias) seja o caminho do aprofundamento da nossa própria democracia. Que modelo de desenvolvimento? Estamos disponíveis para mudar a bem de todos? E quem, no panorama mais elevado, nos dá esse generoso exemplo congregador? Alexandre Cruz* *Centro Universitário de Fé e CulturaDiário de Aveiro |