No meio de tanta confusão de campanha, que este ano até meteu tiros, agressões, candidatos anti-partidos e fugidos, passou despercebida uma das mais importantes decisões estratégicas para a Europa a que dizemos pertencer. O início das negociações para a adesão da Turquia, o primeiro país muçulmano, à União Europeia. A problemática da integração de novos países à União Europeia não é nova e sempre surgem receios, quando se fala de assimilação de outros povos. Mas nunca a expressão “outros povos” teve tanto significado como com a Turquia. Para além da indignação do nosso ministro, Diogo Freitas do Amaral, insurgindo-se contra a incapacidade de uma atitude única europeia para assegurar os compromissos negociados com um País candidato à EU, ficou clara a manobra de diversão austríaca para conseguir a inclusão da Croácia às negociações integrativas, com o pretexto de um pretenso veto turco. O jogo diplomático sempre teve destas coisas e, num grupo tão alargado de países, com tanta história feita de guerras, medos e desconfianças, é natural que estas jogadas apareçam até em situações em que o “politicamente correcto” já tinha encerrado. O problema turco para a Europa deu à Europa uma clara oportunidade para pensar e repensar a sua estrutura política. Mas, mais uma vez, tudo foi decidido nos gabinetes da diplomacia e não foi amplamente discutido, como talvez o próprio projecto democrático europeu impusesse. O projecto político de uma Europa única politicamente, com um governo federal único, como se fossem uns Estados Unidos da Europa, avança nos areópagos políticos, mas desfalece na crença de cada europeu. A verdade é que a questão desta Europa é cada vez mais um arranjo de interesses entre nações soberanas em vez do tal aclamado projecto político aglutinador. A verdade é que a Europa de Gaspieri, Adenauer e Shuman, nasceu numa altura de crescimento económico para dar escoamento aos excedentes produtivos da união nascente. Hoje, a situação é bem diferente. A verdade é que hoje, os estados ditos “pilares” da EU lutam mais pela prevalência dos seus interesses como países fortes e receiam perder a posição preponderante que sempre mantiveram na Europa. Só assim se compreendem os temores de perderem o poder decisório para os países pequenos como Portugal. Por isso, sempre achei que o problema, dito político, anda desfasado da realidade. Talvez tenha que ser assim para que os ideais avancem, mas convinha que tivessem pontos de ajustamento com a realidade que, neste momento, diz serem os Europeus que têm medo ou não acreditam já na Europa que construíram. A meu ver, o projecto político europeu continua válido, mas cada vez mais vai sendo construído sobre bases artificias e completamente políticas. Os povos não vivem só de política e têm que acreditar que o novo super estado europeu os representa e lhes cria condições para poderem viver melhor e em segurança. Eu acredito que no respeitante à segurança, a estratégia da integração da Turquia tem vantagens claras; o reforço do compromisso atlântico com os EUA por via da coincidência de interesses e fronteiras entre a NATO e a EU, o provável fortalecimento das relações com o Magrebe africano (ver hoje os conflitos por exemplo com emigrantes clandestinos). Também possibilidade de “tornar possível” a laicização de um estado muçulmano, talvez ajude a inverter o caminho cada vez mais fundamentalista dos Estados Árabes. Em contrapartida, no que respeita à economia, sustentar a integração apenas na inclusão de mais 70 milhões de consumidores pobres parece-me ridícula. A economia não cresce apenas só porque há mais consumidores. O interesse económico da Turquia continua o mesmo desde sempre: ser a porta, o ponto de troca comercial com a Ásia e nesse particular não me parece que a Rússia ache grande piada ao alargamento agora proposto. É neste complicado contexto que a adesão da Turquia se coloca. Se bem que esteja de acordo nos princípios políticos desta inclusão, continuo convicto de que os dirigentes europeus vão “surfando” uma onda por eles construída e que, se não tiverem cuidado, ameaça tornar-se num perigoso tsunami. António Granjeia* *Administrador do Jornal da BairradaDiário de Aveiro |