Quando há cerca de trinta anos, ainda na euforia de uma revolução mal digerida, a obsessão de nacionalizar tudo chegava a querer nacionalizar também as pessoas, uma assembleia, a nível nacional, de pais de alunos das escolas do Estado, cresceu ao rubro e gritou aos responsáveis da política e do ministério: “Os nosso filhos não são cobaias. Basta. Os pais somos nós, não é o Estado!” O grito de revolta e de indignação fez tremer aqueles a quem se dirigia e as decisões, já anunciadas, pararam por ali. A tendência estatizante no ensino não terminou, porque a semente ficou lá dentro de casa, ora calada, ora assomando no terreno, como que a experimentar se já pode avançar e impor-se, criando situações de facto, mais ou menos irreversíveis. Vemo-lo todos os dias e, agora, de modo mais concreto e assumido, com a protecção de forças que dão a cara e que, parecendo exteriores, germinaram dentro de um sistema que lhes é familiar. Caiu-me, ontem mesmo, debaixo dos olhos o relato de uma intervenção do membro mais responsável da Confederação das Associações de Pais (Confap), que dizia, em entrevista a um canal de televisão: “ Temos de assumir, entre todos nós, que os filhos são biologicamente nossos, mas socialmente de toda a comunidade”. Assim parece querer defender que compete, sem mais, ao Estado definir o “modelo educativo” para os cidadãos. Aos pais restará apenas o papel de serem “produtores de crianças”. Uma tal opinião, bem pouco lúcida, contradiz, não apenas o bom senso, porque ninguém pode tirar aos pais o direito de educarem os filhos que geraram, mas, também, a Declaração dos Direitos do Homem e da Criança e, para não ir mais longe, contradiz a nossa própria Constituição. Que o Estado vele pelo currículo escolar, bem pensado e definido, e o torne paradigma obrigatório para o conjunto da população e para o reconhecimento oficial de competências, está certo, contanto que não asfixie, mas favoreça, a mais séria capacidade inovadora de pessoas, grupos e instituições, testada no seu valor presente e futuro. Definir, porém, um “ modelo educativo” único e sem apelo, impô-lo aos educandos, aos pais e aos cidadãos em geral, é um abuso que se deve denunciar, sem meias palavras. O Estado nunca foi nem pode ser um bom educador, porque não tem coração e não há educação sem afecto. Lamentavelmente, a muitos a quem se paga para educar, estão, eles próprios, ressequidos de amor e de afecto e muitos políticos, dos mais responsáveis a todos os níveis, dão, no seu dia a dia, um péssimo exemplo ao país pela sua linguagem, gestos, sentimentos e atitudes, mormente quando se referem aos seus adversários. O teimar em fechar as portas a quem tem o direito de as ter abertas para uma participação pessoal e responsável, denuncia fraqueza do sistema e medo de concorrência. O Estado, enquanto tiver a sua razão apenas na força do poder, não construirá nunca uma comunidade de pessoas livres. A nacionalização das crianças em Moçambique, enviadas depois para Cuba e para o leste comunista, foi uma experiência infeliz e dolorosa que deixou feridas que ainda não sararam. A estatização é uma bola de neve que não para se não é desfeita a tempo. A preocupação é maior ao vermos quem tem obrigação de incarnar e defender os direitos dos pais e ajudá-los a capacitarem-se para um missão que não se aliena, reduzir estes a meros reprodutores de crianças. Só falta a recomendação de gerarem poucas, porque os tempos vão maus e o “deficit” não permite desperdícios? Toquem sirenes e repiquem sinos a rebate. É preciso que os pais acordem, vejam o que se está passando e gritem, de novo, que os seus filhos não são cobaias.
António Marcelino* *Bispo de AveiroDiário de Aveiro |