MANUEL CALADO HOMENAGEADO |
---|
| |
Manuel Calado, que a comunidade conheceu no então jornal "Diário de Notícias", vem ouvindo a sua voz diariamente na WJFD, com estúdios em New Bedford, foi homenageado no passado sábado, numa iniciativa da Peregrinação Publications, a celebrar 10 anos de existência.
Os seus escritos, que acabam por ser as crónicas radiofónicas traduzem o espírito de uma alma que deixou fisicamente o torrão natal, mas onde o coração continua amarrado até à hora do juizo final. A sua pena continua afinada no "Portuguese Times", crónicas estas que ele próprio lê no Canal 20 semanalmente.
Um homem comunicativo através dos dotes que Deus lhe deu, a quem agradece na esperança de um lugar a que tem direito no assento eterno onde todos vão subir, mas nem todos vão conseguir.
Sabiamos da sua aversão em imortalizar em livro "Os Frutos da Minha Lavra", aversão que José Brites conseguiu ultrapassar e a comunidade ganhou com mais um documento para a posterioridade.
O local escolhido foi o Clube dos Pescadores, em New Bedford, que apresentava uma bonita moldura humana em homenagem ao homem da informação, a quem a vida tem pregado as suas partidas, mas que o homem da Bairrada tem sabido ultrapassar.
Perante uma sala muito bem composta e constituída por gente que tem admiração pelo homenageado, Graça Castanho, conselheira para os Assuntos do Ensino do Português nos EUA, fez a apresentação do livro, "Frutos da Minha Lavra", uma obra que passará a fazer parte dos coleccionadores de tudo o que "cante" Portugal, mas aqui com a naturalidade e simplicidade de gente das nossas gentes, que a vida formou na "descoberta" de terras que a força lusa desbravou em procura de um lugar ao sol. "Este livro fala-nos da lavra do poeta cujos resultados aparecem em forma de frutos. Os frutos a terra, simbolizados ao longo da obra no pêssegos, cerejas e maças (no poema Tudo por causa da Fruta); na uva (em Amor Outonal e poema de Outuno); nos pepinos e tomates, beringelas, couve galega, feijão, pimento das ilhas (no poema Esperando Maio); e nos figos da figueira do quintal (em o Natal do Imigrante). Para além da fruta, muitos são os textos que falam da lavra, do trabalho e da labuta. No texto "Moinhos de Luar", trabalha-se o pão; no "Mundo dum Bairradino Ausente" diz-se que o menino aos doze anos já pegava na charrua do pai Manuel; na "Senhora de Vagos" come-se o pão e mata-se a sede com vinho da lavra e ficam as mulheres do sacho, à hora do jantar, em silêncio e a pensar no mistério do pão bento que não apodrecia; na "Minha Páscoa de Menino" faz-se referência às terras já lavradas e às moças que vinham de longe buscar água benta nova para os dias da trovoada; em "O Telefone Tocou" são os arpoadores e tanoeiros que deram o corpo ao manifesto, nos fétidos baleeiro, que representam a lavra; no "Ainda o Memorial Day" fala-se daqueles que vão para a guerra para garantir o pão dos que ficaram nas fábricas de tanques e aviões, ganhando dinheiro para compra de uma casa. "E Eles Vieram" fala-se do homem lusitano que chegou aos EUA e a terra virgem cultivou; no "Natal do Emigrante Que Não Voltou" fala-se da vida dura do homem e da mulher aqui chegados aos EUA, eles trabalhando onde podiam, nas fábricas de algodão, ordenhando vacas, e elas costurando; na "Sinfonia dos Frutos" o poeta fala dos frutos do seu quintal que brotam da terra em consequência do seu labor; no poema "Outono" as vindimas ganham terreno e a matança do porco centralidade; "Esperando Maio" cava-se, planta-se e rega-se a terra; em "Bandas da Emigração" surgem mãos cansadas do trabalho que de dia manejam o malho e à noite tocam trombone; e no texto "O Pescador", este lavra com o seu barco as leivas do mar imenso, à semelhança do que faz, na terra, o lavrador", disse Graça Castanho, no silêncio de uma sala cheia de gente que ali estava para reviver textos ouvidos na rádio, televisão e escritos em jornais e agora editado em livro. "Apesar de todos estes referenciais a temática principal deste livro não se centra nem nos frutos suculentos e saborosos nem na lavra da terra, aspectos, que aliás, se constituem como meros pretextos para o autor explorar aspectos da vida mais abstratos, complexos e espirituais", continua Graça Castanho, traçando o historial de uma obra literária que retrata a comunidade nos seus afazeres e na forma como ultrapassou as barreiras de um país que continua a ser a maior potência do mundo. "Na qualidade de poeta o autor caracteriza-se como um "fala só", ou seja, uma pessoa que fala consigo e com o mundo, que canta a terra e o mar até morrer, que levanta a sua voz para lutar para quem não a tem e que procura a verdadeira essência da existência humana", prossegue a Graça Castanho numa apresentação pormenorizada de um livro que não vai receber o prémio Nobel, mas que tem a coragem e amabilidade de retratar as nossas gentes. "A poesia de Manuel Calado é marcada por um misto de ruralidade e de modernidade, sendo ambas as facetas consequência de experiências vivenciadas pelo próprio. A ruralidade reporta-se aos dias de infância e de juventude, ao regresso à terra natal, às alusões explícitas às ilhas e ao quintal da sua casa nos EUA, onde se pretende criar uma réplica da sua casa nos EUA, onde se pretende criar uma pequena réplica da pátria deixada". E mais à frente a apresentadora do livro de Manuel Calado acrescenta: "As festas religiosas do Santo Cristo dos Milagres, do Espírito Santo, da Senhora dos Vagos, da Páscoa, do Natal e as referências a Deus coexistem nos poemas a par com reflexões sobre a força da espiritualidade e da natureza, a qual, independentemente da vontade dos seres humanos e dos percursos individuais, se cumpre dia a dia, de estação para estação", disse Graça Castanho, concluindo com três pedidos: "A José Brites para que continue a apostar nos escritores portugueses. A comunidade para que apoie e valorize aqueles e aquelas que, movidos pela força vital da escrita, têm a coragem de partilhar com o público alargado aquilo que lhes vai na alma. Ao Manuel Calado, para que não se cale e continue a escrever e a publicar", concluiu Graça Castanho. A cerimónia foi apresentada por Jorge Morais e o homenageado recebeu, para além dos elogios de algumas pessoas, uma placa de reconhecimento por parte da União Portuguesa Continental e ainda do Clube dos Pescadores. O entretenimento abriu com Dionísio da Costa e quem melhor do que ele para abrir um espectáculo que se enquadra na vida profissional daquele conceituado musicólogo. A noite terminou com fados, nas vozes de Jeremias Macedo e Catarina Avelar, acompanhados à guitarra e viola por José Silva e Viriato Ferreira.
Manuel Calado agradeceu aos presentes com um poema que transcrevemos abaixo:
"Aos meus irmãos da Terra/da fábrica e da construção", foi assim que Manuel Calado se dirigiu aos presentes quando subiu ao palco perante os aplausos dos presentes. "Da fábrica e da construção", simbolizando a força de vencer daquele que chegou ainda de barco e que se agarrou ao que lhe apareceu ao pisar terras do Tio Sam. Depois vieram a concretização dos sonhos, do filho na universidade, da compra da casa, da vizita às origens e gradualmente a melhoria de vida.
Aos meus irmãos da terra da fábrica e da construção/procurei sempre falar com carinho e o coração na mão desde os meus tempos de rapaz procurei interpretar o sentido de quem imigra e deixa a raíz atrás/chorando nasci calado/ falando a vida passei/e continuo esperançado que algum dia surja/ o mundo de amor e paz/ com que sempre sonhei".
Portuguese TimesDiário de Aveiro |
|
|
|