Lágrimas, muitas profundas lágrimas, dor multiplicada por muitas dores, jorros de sangue, numa manhã desigual de tantas outras, gritos e pedidos de socorro aos deuses e homens, que ainda não são bestas, vestiram de luto a Espanha. A dor e as lágrimas moram ao lado, mas também, por vizinhança solidária, nos nossos olhos, no nosso peito. Como que uma cicatriz transversal nos marcou há dias. É que as bombas explodiram e mataram em Madrid, mas foi na Europa que explodiram e mataram. Os estilhaços dispensaram-se em todas as direcções. Tudo porque, no país ao lado, aqui a dois passos da nossa vulnerabilidade, houve matança, às 7,39 horas da manhã, na calada dos passos e destinos, alguns roubados para sempre. Num abrir e fechar de olhos. Um ataque terrorista, de grandes dimensões, levou a morte aos carris de Atocha e outras estações. Os bárbaros regressam, sanguinários e em força, à Europa, por Madrid. O coração de Madrid às 7.39 horas da manhã de quinta feira começou a sangrar nas mãos e pés mutilados, nas cabeças decepadas, nos corpos desfeitos, como se animais num açougue. O terrorismo é a besta apocalíptica deste século vinte e um, que não começou da melhor maneira. Um rasto de sangue escreve as suas primeiras páginas e pinga ainda sobre as nossas cabeças. Mais do que nunca, a segurança é frágil, bem precária. Frágil e precária, porém, não é nem será nenhum grupo da rede AL-Qaeda. Nem frágil e precária é a ETA que, à sua dimensão, não deixa de ser um bastião terrorista na Europa. Para incómodo maior da Espanha e espinho perigoso em toda a Europa. Daí que a derrota de uns e de outros não seja coisa fácil e imediata. O terrorismo é irracional, não tem leis nem regras, despreza a vida, canta a morte, delira com a babárie, seja feita em torres gémeas, num carril, numa praia. Combate com armas desiguais e a violência é a sua glória, tentando abrir brechas e feridas na democracia que tem regras e princípios e valores.
Os bárbaros, estando aqui ao lado, em Espanha, estão à nossa beira, a dois montanhosos passos, mas dois passos. Também a dois passos de toda a Europa ou mesmo já dentro do coração da Europa. Hoje foi a Espanha, amanhã, a França, a Alemanha, quem sabe se Portugal à beira do festival Rock in Rio ou do Euro 2004. Estas mochilas ficam a pesar-nos e as bombas a doer-nos para sempre. É o preço trágico. O terrorismo, está provado, não é só ameaça para a América, uma ameaça bem longínqua. É uma ameaça muito concreta para a Europa e o mundo livre. O fanatismo religioso está lançando o mundo num caos. Sob a invocação da pureza do Islão. O terrorismo é praga que toca a todos. É uma ameaça global. Se todos fomos americanos com o 28 de Setembro, com mais razão, somos todos espanhóis com o 11 de Março No bom sentido, claro. É que a Europa foi confrontada em Madrid com os tentáculos de um polvo gigante que terá como cúpula a AL-Qaeda que visa, na sua cruzada contra o Ocidente, fazer vergá-lo, atacá-lo no que tem de essencial, a democracia. A violência gratuita, a morte indiscriminada estão inscritas nos seus códigos de loucura. Os alvos são a humanidade. A vida não conta nestas coisas, o que pretendem esses grupos islâmicos são a ceifa de vidas humanas. Desta vez, às 7.39 horas da manhã.
Pela coincidência de haver eleições em Espanha, três dias depois, até parece que este atentado, que encheu o mundo civilizado de espanto e de revolta, foi calendarizado ao milímetro. Golpe que também serviu, como se viu, para, confrontando estratégias e modus operandi, logo surgir a tentação de branquear a ETA. Quando o terrorismo não deixa de sê-lo só porque há o aviso prévio da colocação da bomba, quando há. Alguns quiseram fazer passar a ideia de que os etarras são pessoas simpáticas. Só porque matam menos. Como tanto se quer passar entre nós. Há sempre tolos úteis em toda a parte.
As lágrimas e as dores e os gritos vestiram de luto a Espanha. As lágrimas acenderam-se nos carris do desespero e da morte que ceifou crianças, estudantes, trabalhadores, emigrantes, inocentes. As dores saltaram dos pedaços de corpo no ar, da ferida aberta em sangue e nervos. Os gritos fizeram o eco mais veemente da tragédia que chegaram aqui e a todo o mundo. Também através dos telemóveis. Madrid foi tragédia e alerta. Para que a democracia seja cada vez mais firme, talvez mais justa, mais universal, mais cooperante. Da firmeza e da sua justeza de princípios e valores dependerá a erradicação da face da terra das verdadeiras ordas de bárbaros que, num instante, invadiram a nossa própria casa. Diário de Aveiro |
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