PASSAM HOJE 40 ANOS
DO FIM DO VERÃO QUENTE

Passam hoje 40 anos do 25 de Novembro de 1975, dia associado ao fim do PREC (Processo Revolucionário em Curso, iniciado pós-revolução de Abril), mas também ao início da democracia pluralista em Portugal. Com Lisboa em estado de sítio parcial, os acontecimentos militares desse dia retiraram toda a influência ao “gonçalvismo” comunista e apaziguaram um país envolvido em extremismos e confrontos, a braços com o designado “Verão Quente”.
Volvidas quatro décadas, as palavras de descrição estarão longe de explicar as emoções de um país que esteve, segundo analistas e historiadores, à beira uma guerra civil, mas podem dar, numa breve síntese, uma imagem de um dos períodos mais intensos da História nacional. Após o 25 de Abril de 1974, Vasco Gonçalves, da comissão coordenadora do Movimento das Forças Armadas e próximo do PCP, assume funções de primeiro-ministro de sucessivos governos provisórios, desde 18 de Julho de 1974 até 19 de Setembro de 1975.
Para contextualização, lembre--se que a Junta de Salvação Nacional, junta militar que exercia as funções fundamentais do Estado, nomeara o General António de Spínola como Presidente da República (PR). Sem apoio do PS e do PCP na solução que preconizou para a questão colonial (auto determinação das províncias ultramarinas), e depois de apelos à “maioria silenciosa”, Spínola renuncia a 30 de Setembro de 1974, sendo substituído por Costa Gomes, mas está na base do “Verão Quente” de 1975.
Isto porque apoiou uma tentativa falhada de golpe militar, a 11 de Março de 75 (ataque ao RAL 1, em Lisboa), desencadeada por militares afectos ao ex-PR António de Spínola, que pretendiam travar o avanço comunista e evitar uma alegada “matança na Páscoa” que estaria em preparação. O falhanço militar seria aproveitado por Vasco Gonçalves para radicalizar o PREC, surgindo o “Verão Quen­te”. Apoiado pelo COPCON (Comando Operacional do Continente, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho), Vasco Gonçalves desmantela grupos económicos, nacionaliza bancos, seguradoras, transportes, comunicações e grandes empresas, determina a reforma agrária e a ocupação de terras, apodera-se e procura gerir meios de comunicação social, num controlo de poder que teria a oposição do PS, do PPD, do CDS e da Igreja católica. A tentativa de imposição de um modelo de administração comunista de linha soviética criara já rupturas sociais, com extremismos à esquerda e à direita, mas também com a forte maioria da população, moderada, virada para a Europa ocidental, simpatizante da CEE e da NATO.

Ataques bombistas
Voltemos à contextualização. No período mais intenso do PREC, no Verão Quente, a violência sente-se, é profunda: há ataques bombistas, casas e terras tomadas de assalto, ameaças, um clima tenso, com divisões militares e políticas. É preciso lembrar que havia várias forças no terreno. Se hoje se pode dizer que havia um conflito de poder entre partidos, MFA e Conselho da Revolução (herdeiro da extinta Junta de Salvação Nacional), na verdade há uma anarquia de poderes e de grupos no terreno, muito deles radicais. Para se dar uma ideia ficam as designações de alguns grupos operacionais dos dois extremos, como o MDP (satélite do PCP), a FSP, o PRP-BR, a Organização 1.º de Maio, a LUAR, o MRPP, ou, mais à direita, o Movimento Democrático de Libertação de Portugal ou o Exército de Libertação Português. E também a Frente de Unidade Revolucionária, de raiz comunista e guerrilheira, com presença clandestina nas Forças Armadas através dos SUV (Soldados Unidos Vencerão). É neste mosaico social que ganha força a moderação, que viria a ter visibilidade com o Grupo do Nove, constituído por oficiais das Forças Armadas, do Conselho da Revolução, liderados por Melo Antunes e de que fazia parte Ramalho Eanes.

PS afasta-se do PCP
Já iremos ao papel determinante que este grupo teve no 25 de Novembro. Antes, relembre--se que a 25 de Abril de 1975 ocorreram as eleições para a Assembleia Constituinte, concretizando-se a derrota democrática do PCP. No entretanto, Mário Soares, líder do PS, que se aproximara dos comunistas no pós--25 de Abril, aparentemente numa estratégia de maximizar simpatias, afasta-se do PCP, chefiado por Álvaro Cunhal, acusando-o de ser responsável pela situação caótica do país e de querer cercear as liberdades e impor uma ditadura comunista.
Nas eleições, PS, PPD e CDS conseguem eleger 214 deputados constituintes (em 250), adeptos da democracia pluralista, da adesão à Europa e de um regime semi-presidencialista. Do lado dos partidos defensores de uma república popular - a Frente de Unidade Revolucionária - onde se incluía o PCP, há apenas 26 deputados.
Os resultados das eleições clarificariam visões para o futuro do país, nomeadamente do PS e do PPD, e agravariam o conflito de legitimidade de poder entre partidos, primeiro-ministro, MFA e Conselho da Revolução. Em crise de autoridade, o governo de Vasco Gonçalves é questionado e pedida a sua demissão, pelo PS. O Presidente da República Costa Gomes acabaria por exonerar o primeiro-ministro e, já com um Conselho de Revolução remodelado, sem elementos pró-PCP, é elaborado o programa do último governo provisório, o VI, empossado a 19 de Setembro, sob liderança do almirante Pinheiro de Azevedo.
E aqui começa outra fase do Verão Quente. O Conselho da Revolução (CR) e o MFA estão divididos e os grupos radicais continuam organizados. A 12 de Novembro uma manifestação sindical cerca os deputados no interior do Parlamento. Uma semana depois, no dia 20, o Governo declara-se em greve por falta de condições administrativas. Perante a possibilidade de um ataque de forças extremistas de esquerda, vindo das próprias forças armadas, o Grupo dos Nove prepara um contra-golpe, num plano militar elaborado por Ramalho Eanes para garantir que o País avançaria para uma democracia pluralista.
Na manhã de 25 de Novembro, tropas pára-quedistas de Tancos ocupam o Comando da Região Aérea de Monsanto e seis bases aéreas, exigindo a demissão de Morais da Silva, Chefe de Estado Maior, que dias antes mandara passar à disponibilidade cerca de mil militares de Tancos. Avança, de imediato, o contra-golpe de Ramalho Eanes. Sob ordens de Jaime Neves, o Regimento de Comandos da Amadora cerca o Comando da Região Aérea de Monsanto e prende os militares revoltosos. Nessa noite, o Presidente da República chama a Belém os principais comandantes militares, num acto que viria a ser considerado como impeditivo da dispersão de autoridade, e decreta o estado de sítio em Lisboa. No dia seguinte, os comandos da Amadora atacam e controlam o Regimento da Polícia Militar, unidade próxima das forças políticas de esquerda revolucionária. Antes da rendição, há vítimas mortais de ambos os lados.
São recuperadas as bases aéreas. Embora tenha havido movimentações de extremas esquerda e de direita durante os dias 24 e 26 de Novembro, o PCP não tomou posição e o COPCON não actuou. Acabara o PREC, aqui resumido de uma forma muito sumária, mas não as divisões, só diluídas com o tempo.


Diário de Aveiro


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